Por Ngola Mukuba
Antes de desenvolver esta abordagem temática social, e, sobretudo, por ser já uma religião fortemente implantada entre nós (Angola), convém fazer uma viagem profunda ao seu interior, para que estejamos em condições de saber e conhecer com quem lidamos, quem são e o que querem, concretamente, com o seu estabelecimento no nosso país.
Para o efeito, considero que, primeiro, é necessário e importante deixar para trás essa visão romântica como vemos e interpretamos as coisas, sobretudo, num momento como este, de crise econômica e social profunda, que nos desumaniza e nos remete por vezes a níveis exagerados de subserviência, do ponto vista social e económico, até mesmo sobre outras confissões religiosas que nada tem a ver com o nosso carácter e natureza, com a nossa gênese sócio-cultural. Assim sendo, antes de embarcarmos para uma nova edeologia ou crença religiosa, na perspectiva que apresento – e penso ser a mais razoável e sem laivos de quaisquer preconceitos ideológico, cultural e acadêmico – convido os nossos leitores a conhecerem melhor com quem lidamos. Depois disso, a responsabilidade sobre a escolha (ou não) passa a ser de quem encarar e assumir o que achar que é bom para si, com todas as consequências daí resultantes.
Consideramos a partida, que “fundamentalismo” é toda a reação de força e em força, que visa garantir a defesa da sua própria existência face o avanço de inovações intrinsecamente ligadas à modernização das sociedades em constantes processos de mudanças, por influência de avanços tecnológicos trazidos pela globalização e pelo progresso das sociedades do mundo Ocidental e não só. Hoje, uma boa parte de países da Ásia estão em constante progresso social tecnológico, e o fundamentalismo (ou fundamentalistas) não encara de bom grado e resiste a todo esse processo evolutivo.
É bem verdade que, antes de sermos globalizados e aceitarmos certas concessões ao desenvolvimento, temos de ter em conta a nossa “autenticidade” nos seus mais variados aspectos etno-cultural, antropológico, social e económico, salvaguardando as principais premissas da identidade cultural de um povo, a saber: a história como o conjunto de factos que nos permite conhecer os nossos antepassados, a sua forma e organização, de vivência, hábitos e costumes; os “mitos” que marcam a heroicidade de um povo e a exaltação que se atribui a eles mesmos; a “língua”, como meio e instrumento de comunicação num território e o arrojo na transmissão dos seus valores. E na identificação de quem quer que seja, o povo, a “religião”, independentemente da sua natureza e conteúdo que representa a visão moral e transcendental.
Se não há firmeza na defesa da convicção de quem se é e do que se quer, qualquer povo pode desaparecer. Assim, o Islão, com as suas correntes e de forma radical, se tem imposto. Para um sector devidamente identificado, tem-se tolerado essa abertura, mas, para outros, nem por isso. Resiste-se obstinadamente sobre qualquer influência da modernização e do progresso, fechando-se na velha crença da civilização mahonetana, dando lugar a um combate severo e radical em defesa da causa, nem que, se necessário, se recorra à violência extremada e gratuita sem escolher quem ou os meios a levar em conta, quando se trata de defender a causa em nome de Alá. E aqui, estamos perante o Fundamentalismo na sua verdadeira essência.
Um facto muito concreto ocorreu faz dois anos, quando o Governo angolano não reconheceu o Islão no seu território. Essa atitude foi encarada como uma insolência e gerou uma onda de manifestações no Reino Unido, junto da representação diplomática do país, por parte de uma centena de muçulmanos, tida como solidariedade aos irmãos que em Angola têm travado uma batalha jurídica para a sua legalização e exercício confessional. Aliás, propuseram a compra de vários terrenos para a construção de uma universidade islâmica, hospitais e a implementação de outras iniciativas de cariz social, no quadro de parceiras a que se propunham com o Estado angolano, o que não foi permitido por razões de soberania. Ou seja: o Governo angolano não embarcou nessa ‘oferta’ envenenada.
POR DENTRO DO FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO. O islamismo é tido como um conjunto de movimentos e correntes, que exprimem a vontade de reformar as sociedades muçulmanas, apresentando uma leitura política e radical do Islão.
Existem correntes que partilham a convicção de que o Islão não é uma simples espiritualidade. Ou seja: é uma religião de foro íntimo que não pode ser reduzida a uma moral colectiva. Melhor interpretando: trata-se de uma teologia política, cujo objectivo principal é impor e submeter toda uma sociedade à lei Islâmica. Por vezes, todas as correntes Islâmicas são antidemocráticas, contrárias à laicidade do Estado, dos direitos humanos, ainda que, certas correntes aceitem o jogo democrático e pluralista e pressionadas por dinâmicas multiformes de modernização e abertura democrática.
O islamismo não pode ser considerado como o regresso ao passado, receptáculo do desespero de uma parte da juventude. Esse fenômeno não é uma corrente teológica. Ou seja: um movimento estritamente religioso. O militante islâmico encara uma cultura profundamente política e nacional, e quer integrar-se no contexto por intermédio do surgimento de partidos modernos, num espaço regulado de acção política. Nos estados onde o sistema político é completamente fechado, o militante islâmico não hesita em transgredir as regras da legalidade e do combate pacífico, recorrendo, se necessário, à violência e ao terrorismo para o alcance do poder. O exemplo concreto vem do partido BAAS, no Iraque com Saddam Hussein, em 1979, ano da sua ascensão ao poder.
Os islamitas veem o Estado como um vetor principal de islamização. O objectivo principal é construir o Estado Islâmico (Al-Dawla Al Islamita) na legalidade, mediante a participação no jogo político aberto, seja pelo activismo, seja pela mobilização partidária, com o objetivo supremo da implantação de uma sociedade islâmica.
O islamismo associa um discurso moralizador, baseado na tradição religiosa do Islão, a um projecto político e social. E tem outra particularidade: é, essencialmente, um fenómeno urbano. Os seus militantes, na maioria jovens e escolarizados, estão imersos no modo de vida ocidental, embora rejeitem muitas vezes os seus valores e mostram princípios, códigos, rituais e comportamentos quotidianos ligados à herança e tradição muçulmana. Os militantes e simpatizantes Islâmicos, no contexto actual, muitas vezes instigados pela crise social, económica, moral e cultural que o mundo atravessa, estão cada vez mais preocupados com os problemas socioeconômicos e ideológicos do que propriamente com considerações religiosas.
Os islâmicos, ou seja, os partidários do Islão, criticam contundentemente os ulamas (doutores das leis e da fé) encarregados de executarem o modelo social e político baseados na fé islâmica, que exercem funções oficiais nas instalações estritamente religiosas com forte poder financeiro e económico, actuando em regra nos bastidores, controlando largos sectores da sociedade e manobrando-os, como nos casos da monarquia teocrática sunita da Arábia Saudita e a teocracia xiita do ayatolah da Pérsia, actual Irão, Líbano e Palestina.
O islamismo, ou o Islão politizado, representa uma ideologia que visa a realização de um projecto de criação de condições para aplicar as normas islâmicas em todas as esferas da vida humana. A realização deste projecto, pressupõe ampla e profunda transformação social, jurídica e cultural de grupos escolhidos para este propósito. A concepção do islamismo abrange vários fenómenos religiosos, políticos, ideológicos, organizativo, espontâneos, reguláveis, regionais, internacionais, pacíficos e coercivos.
O Islão tradicional tem boa capacidade de adaptação social. Já o islamismo pode ser caracterizado como uma hiperaçcão (acção bastante excessiva) contra a adaptação exagerada do Islão que, supostamente, ameaça a sua própria existência. O islamismo rejeita todas as outras confissões religiosas, especialmente nos seus próprios territórios, sistemas políticos e projectos políticos sociais, que muitas das vezes são encarados como laicos e seculares contrários à sua cultura e a sua religião (fundamentalismo autêntico voluntariamente assumido).
O CONFLITO COM O SECULARISMO. A principal fonte da actividade destrutiva do islamismo reside no conflito irreconciliável com o “secularismo”. Mas qual o entendimento, ou conhecimento que nós, angolanos, temos sobre o “secularismo”?
É um termo, do latim secular, que significa restituir a vida ao Estado leigo, sujeitar às leis civis e dispensar os votos religiosos. Significa também, passar a propriedade ou propriedades religiosas (bens da Igreja), para o domínio do Estado. Os efeitos do “secularismo” não foram encarados de bom grado por certos sectores ou organizações sólidas como certas religiões, especialmente a muçulmana, que vai resistindo e se radicalizando cada vez mais em certas regiões, em defesa da sua existência (ameaçada). E assume forma de defesa numa luta aberta de consequências incalculáveis. Mas abordaremos o tema em questão lá mais para frente.
O islamismo opõe-se ao Islão tradicional, que se adapta às novas realidades políticas sociais. Os promotores do islamismo são agrupados num clero islâmico anti moderno, que se interessa essencialmente pela preservação da forma islâmica de poder dentro dos seus próprios países, com o objectivo último de o tomar para a sua causa. Este clero vê ameaçada as suas posições no decorrer dos processos de modernização.
O fundamentalismo tornou-se assim uma espécie de reação de certo sector religioso e poderoso, fortemente apoiado pelos “ulama” (os doutores da lei islâmica), que não olham a meios para reivindicar posições, recorrendo, se necessário, à violência generalizada, causando focos de instabilidade e ameaças aos governos instituídos nos seus países de origem. Foi assim na Argélia, com a FIS e a GIA, com o imã Abassi Madane que, a partir da sua mesquita, na Argélia, apelava a queda do governo local e defendia a instauração de um regime teocrático e fundamentalista. Esse radicalismo obrigou a pronta intervenção do governo argelino numa luta sem tréguas contra os radicais islâmicos, que não toleravam quaisquer espécies de modernismo na sua sociedade.
A posição extremou em ambos lados, elevando o país quase para uma guerra civil entre o governo argelino e os fundamentalistas Islâmicos, que defendiam a imposição de uma sociedade islamizada na sua totalidade.
No Líbano, outro país de grande presença muçulmana mais com maior número de cristãos na região do Médio Oriente, a eleição do general Michel Suleimani (tido como moderado) para a chefia do novo Estado e a criação de uma nova Assembleia Constituinte, foi vista com forte oposição do partido religioso de corrente xiita apoiados pelo Irão dos ayatolahs, que promoverem o recurso à violência armada naquela que era tida como a Suíça do Médio Oriente. Em consequência, o país mergulhou numa guerra inter-religiosa contra a minoria cristã e muitos deles árabes (mas não muçulmanos) filhos de pais franceses e mães libanesas.
Quanto a nós, angolanos, é incontornável uma reflexão profunda sobre os efeitos da propagação do Islão em Angola, uma nação maioritariamente católica. E face ao que se assiste em várias partes do mundo, é um debate a que não deveremos escusar-nos, sobre pena de sermos surpreendidos com cenas de violência, como as que ocorreram há bem pouco tempo em Kinshasa. É o que nos falta, como se não fossem já suficientes os milhentos problemas que afectam a nossa estabilidade e desenvolvimento, consequência de uma longa guerra fratricida que quase destruiu o país.
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Não tem jeito posso ler em outros sites, mas sempre volto
aqui para confirmar se a informação esta correta. Obrigado
pelas informações.