NO CENTENÁRIO DE AMÍLCAR LOPES CABRAL: A MINHA SINGELA HOMENAGEM

Uma pequena mostra do muito que há para ler sobre pensamentos e reflexões de Amílcar Cabral.

POR CESALTINA ABREU

Amílcar Lopes Cabral nasceu em Bafatá (Guiné-Bissau) a 12 de Setembro de 1924 e morreu (foi assassinado) em Conacri, a 20 de Janeiro de 1973.

Nesta data, em particular, todos os que lutam por uma África e um Mundo melhores, devem sentir-se muito orgulhosos por partilhar esses sentimentos/objectivos com um Ser Humano excepcional e intelectual pan-africanista que foi, e continua a ser, Amílcar Cabral.

Sobre a Visão da Luta de Libertação

“A única condição que nós impomos para que nos ajudem é que não nos imponham condições”.

“Nós da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas comprometemo-nos com os nossos povos, mas não lutamos simplesmente para pôr uma bandeira no nosso país e para ter um Hino. Nós da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, queremos que os nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, que nos nossos países nunca possam reinar o insulto, e que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros”.

“Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas Ilhas de Cabo-Verde, em São Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguimos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingiremos o objectivo da luta”.

“O movimento de libertação nacional conseguiu uma notável mescla de grupos interétnicos. Durante a luta armada, os diversos grupos étnicos compartilharam uma causa comum. Interagiram. Acreditaram nas mesmas palavras de ordem. Descobriram os objectivos colectivos”. (1969).

Amílcar Cabral fomentava uma África a germinar, nova e liberta, a partir das sementes plantadas na luta anti-colonial. É esta África futura, representada literariamente na figura da criança, um “Homem Novo” em formação. Para Cabral, os indivíduos ideais à nova sociedade que se pretendia formar deveriam passar por uma transformação cultural, étnica e linguística, a fim de constituírem um só povo, formado por homens educados, treinados e formados moralmente para a colectividade em detrimento de seus anseios individuais. Desde os anos 40, o jovem líder reflectia acerca da formação de um Homem Novo, constituído em sua base tanto pelas camadas assimiladas da população africana colonizada quanto pelas massas populares, ainda próximas à cultura tradicional de seus países (Cabral 1947: 24-25).

Sobre os Pós-Independência em alguns países africanos

“Muitos países se tornaram independentes e ouvimos muitas vezes esta frase: “A independência para quê?’ Sim, a independência para quê? Para nós, em primeiro lugar, para sermos nós próprios. Para sermos homens africanos, com tudo o que nos caracteriza, mas caminhando para uma vida melhor, e que nos identifique, cada vez mais, com os outros homens no Mundo (…)”.

“Os Estados africanos independentes, conservaram as estruturas do Estado colonial, em alguns países africanos apenas se substituiu o homem branco pelo homem negro, mas para o povo tudo ficou na mesma”. “A natureza do Estado criado depois da independência é, talvez, o segredo do falhanço das independências africanas”. [1969]

A libertação nacional, “é o fenómeno que consiste em um conjunto socioeconómico negar a negação do seu processo histórico. Em outros termos, a libertação nacional dum povo é a reconquista da personalidade histórica desse povo, é o seu regresso à história, pela destruição da dominação imperialista a que esteve sujeito”.

“Pergunto se é impossível fazer da nossa terra, uma nação africana, vivendo na paz, unida na liberdade e avançando a passos gigantes para o progresso? É impossível, camaradas? Então para diante vamos fazer isso somos capazes de fazer, camaradas”.

Sobre o papel do Líder

“O líder deve ser um intérprete fiel da vontade e das aspirações da maioria revolucionária e não o senhor do poder” e “para liderar colectivamente, em um grupo, é estudar as questões conjuntamente, para encontrar a melhor solução, e tomar as decisões coletivamente”.

“…Antes de começarmos a fazer uma coisa, devemos estudá-la bem, para sabermos se vale ou não a pena fazê-la e não começar a fazê-la para depois deixar. Portanto, perfeição, aproveitar bem o tempo e ter o sentido prático das nossas realizações, capacidade de realizar até ao fim cada obra, cada coisa que temos para fazer, é muito importante camaradas, fundamental na nossa cultura, camaradas”.

“Se nós amanhã trairmos os interesses dos nossos povos e países, certamente que não será porque não o soubéssemos, será porque quisemos trair e não teremos então qualquer desculpa”.

“Se é verdade que duas cabeças valem mais do que uma, temos, porém, de ser capazes de saber distinguir as cabeças, mas sobretudo perceber e ajudar a entender que cada cabeça deve saber exactamente o que tem de fazer”. (1970)

“Aprender na vida, aprender junto do nosso povo, aprender nos livros e na experiência dos outros. Aprender sempre. Pensar com as nossas próprias cabeças, andar com os nossos pés”.

Luta do Povo, pelo Povo, para o Povo

“Nós queremos que tudo quanto conquistarmos nesta luta pertença ao nosso povo e temos de fazer o máximo para criar uma tal organização que mesmo que alguns de nós queiram desviar as conquistas da luta para os seus interesses, o nosso povo não deixe. Isso é muito importante”.

O que vale é a consciência do homem. “O valor de um homem ou de uma mulher mede-se pelo conjunto de ideias, pela força das ideias que tem na cabeça”.

“… Mas nós enfrentamos o problema não só da libertação, mas também do progresso do nosso povo. E, nessa base, vemos logo que a nossa luta não pode ser só contra estrangeiros, tem de ser também contra alguma gente dentro da nossa terra. O nosso povo tem de lutar ao mesmo tempo contra os seus inimigos de dentro. Quem”?

“Toda aquela camada social da nossa terra, ou classes da nossa terra, que não querem o progresso do nosso povo, mas querem só o seu progresso, das suas famílias, da sua gente. É por isso que dizemos que a luta do nosso povo é contra tudo quanto seja contrário à sua liberdade e independência, mas também contra tudo quanto seja contrário ao seu progresso e à sua felicidade”.

“Na conversa hoje vulgar do nosso partido pergunta-se assim: «tu és povo?» Ele responde: «Não, eu sou exército». «Tu és povo?» «Não, eu sou milícia». «Tu és povo?» «Não, eu sou responsável»”.

“Essa é a nossa conversa vulgar, mas toda essa gente é povo. Basta vermos donde saíram os nossos combatentes, os nossos responsáveis, os nossos dirigentes, para sentirmos que todos eles são povo da nossa terra”.

“…. Claro que a luta dum povo é sua, de facto, se a razão dessa luta for baseada nas aspirações, nos sonhos, nos desejos de justiça, de progresso do próprio povo, e não nas aspirações, sonhos ou ambições de meia dúzia de pessoas, ou de um grupo de pessoas que tem alguma contradição com os próprios interesses do seu povo”.

Sobre a Visão de Futuro

Quem me dera ter escutado algum dos ‘chefes’ aqui da bwala expressar estas ideias, de ter a agricultura como alicerce de um desenvolvimento endógeno sustentável … apesar das palavras de ordem “A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo” e de em 79 se ter declarado o Ano da Agricultura, basta olharmos para a situação de fome (que não é relativa) de uma grande maioria do povo angolano, e a dependência do exterior no que respeita a produtos transformados, para vermos o quão distantes estamos dessa visão de desenvolvimento construída a partir da base e contando com os nossos próprios meios: pensar com a nossa cabeça e andar com os nossos pés…

“No caso concreto da nossa terra, todos vocês sabem já, é a agricultura hoje, agricultura amanhã e ainda agricultura talvez mais tarde. Desde já temos de fazer o máximo esforço para avançarmos com a nossa agricultura, elevando a consciência política dos nossos agricultores, mostrando-lhes que o caminho da agricultura é o primeiro para o sucesso e para o avanço do nosso povo, desde já. Mas também é o caminho que pode abrir ao nosso povo a oportunidade para desenvolver a indústria amanhã, para criar uma situação de vida mais elevada, mas temos em primeiro lugar que tirar o rendimento devido da nossa agricultura”.

“Noutras terras, certas pessoas diziam que a agricultura era a arte de se tornar pobre, mas alegremente, sem cuidados. Na nossa terra, talvez a agricultura seja a arte de ficar pobre para toda a vida, se de facto não mudarmos o tipo de agricultura na nossa terra, se não fizermos uma verdadeira revolução no plano agrícola na nossa terra, que tem condições muito boas para a agricultura (…) com tantas conquistas da ciência de hoje e que devem estar à disposição de todos os homens do mundo. Temos a certeza de que há terras nossas que podem produzir duas, três, quatro, dez vezes mais do que aquilo que produzem hoje, se a técnica for melhorada, se se tratar a terra como deve ser, se se seleccionar as sementes, se se cuidar das plantas como deve ser, se trabalharmos muito e bem. Muitas terras nossas, se tiverem adubos, estrumes, se se juntar a agricultura com a criação de gado como deve ser, podemos aumentar a nossa produção de maneira extraordinária e dentro desse quadro da agricultura, a produção de gado, a criação de gado em grande, gado de raça, podemos fazê-lo, aves de capoeira de todas as raças, podemos fazê-lo. Isso se de facto trabalharmos com vontade, se de facto nos decidirmos muito, se cada homem se dedicar ao trabalho com vontade. Não podemos avançar na nossa terra, se criar galinhas for deixar galinhas no mato e apanhá-las quando for preciso para comer ou vender (…)”.

“…. Outro aspecto importante, evidentemente no quadro da nossa economia é a questão de transporte. Hoje é difícil discutirmos esse problema porque estamos em guerra… se a queremos desenvolver em certas áreas, não podemos fazê-lo porque não temos estradas. Não temos tempo para alcatroar estradas, etc”.

Mas desde já devemos pensar este problema para amanhã na nossa terra. E temos de pensar seriamente nas vantagens que há em defender os meios de transporte, fluviais, quer dizer, de rios, porque a nossa terra na Guiné, é rica nos canais, caminhos da água, para fazermos o escoamento dos nossos produtos e criar possibilidades para isso amanhã. E ao mesmo tempo possibilidades de garantir uma ligação entre o nosso continente e as nossas ilhas de Bijagós e ilhas de Cabo Verde. Porque só numa terra em que as ligações são como a circulação do sangue no corpo de um homem, é que de facto essa terra pode avançar. O Sistema de Transporte, de Comunicações, é tão importante para um país avançar como são importantes os vasos sanguíneos, as artérias, etc., no corpo de um homem. Temos de pensar nisso bastante, desde hoje, e nós este ano também pensamos nisso.”

Uma pequena mostra do muito que há para ler sobre pensamentos e reflexões de Amílcar Cabral.

12 Setembro 2024

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