A propósito da mensagem da CSI (Confederação Sindical Mundial) ao Fórum Económico Mundial
A promoção de uma cidadania activa, exercida por sujeitos esclarecidos e conscientes do seu papel de agentes é uma necessidade concreta para garantia da sustentabilidade do desenvolvimento, pela introdução da pluralidade na formação da opinião pública, pelo respeito aos valores sociais e aos costumes prevalecentes, e pela vigilância e transparência na gestão pública e na condução dos negócios do Estado. O estabelecimento de bases de diálogo aos diversos níveis e instâncias do processo de tomada de decisão, facilitam a negociação de pactos sociais, pactos capital/trabalho e outras plataformas de obtenção dos consensos necessários para criar condições de solidariedade e sustentabilidade e promover o progresso social numa base equitativa.
Uma forte componente de capital social torna-se necessária para acomodar a questão fundamental da participação da sociedade civil na eleição das opções, no estabelecimento de prioridades, na monitorização e no processo de tomada de decisões de interesse público, entre outras. É necessário substituir o modelo de “imposição” pela criação de parcerias e de espaços para o exercício da “força de pressão” por grupos de interesse e de plataformas e redes, aos diversos níveis da organização da vida política em Angola. Processos como a participação em decisões políticas e de escolha social, devem ser entendidos não apenas como “meios”, mas como partes constitutivas dos “fins” a alcançar.
A questão que se coloca é como institucionalizar procedimentos para a criação de espaços de discussão e promover um ambiente de deliberação franco e aberto sobre o que cada um vai ser e sentir-se responsável por fazer? A resposta passa necessária, mas não suficientemente, por uma abertura, simultânea, ao particularismo e ao universalismo, permitindo criar responsabilidades assentes em colectividades, organizadas solidariamente, num processo de permanente actualização e negociação dos termos do acordo, entre todas as partes envolvidas.
A reconciliação nacional em Angola continua adiada devido à carência, entre outras causas, de instituições intermediadoras de confiança, capazes de motivar e constranger o comportamento de todos, governantes e governados. Será necessário estimular a sua criação, e uma saída possível é a combinação, estratégica, de duas perspectivas: uma ascendente, cívico-comunitária, operando do lado da oferta, com base na participação a partir de círculos relativamente pequenos como a família e as redes locais de cooperação, estimulada por acções no âmbito da outra perspectiva, descendente, republicana, operando do lado da demanda, aplicando a fórmula: ‘bom governo e boas leis fazem bons cidadãos’, com vista a eliminar arbitrariedades, evitar o monocentrismo e o secretismo, e procurando ultrapassar a incapacidade e a incompetência das instituições públicas.
A implementação de formas cívicas de cumprimento das normas e das leis por cidadãos conscientes e confiantes contribui para promover o papel da sociedade civil na construção de uma nova ordem social, complementando autoridade e participação cívica, embora tenhamos de reconhecer que leva algum tempo, paciência e perseverança, considerando que as forças espontâneas de solidariedade e de cooperação foram bastante atingidas pelo prolongado intervencionismo do estado, desde a independência. Mas se as medidas anteriores forem implementadas, as funções de que ele (estado) se apoderou através do controlo estatal, poderão voltar, gradualmente, à coordenação da sociedade civil, facilitando o ressurgimento, e fortalecimento, de modos de associativismo e de engajamento cívico.
A resposta típica e generalizada à emergência cognitiva resultante da dúvida dos cidadãos quanto à confiabilidade das instituições designa-se ‘populismo’, identificado em alguns traços da política das elites angolanas, como na re-personalização da política, na mobilização do apoio e lealdade dirigidos a uma pessoa, junto de um eleitorado geralmente muito diversificado e amorfo, e assim mantido, não recorrendo ao apelo às colectividades da sociedade; as políticas populistas são um atalho extra-institucional para a confiança política, e um testemunho da dificuldade de intermediar confiança através de instituições e dos princípios nelas incorporados.
A falta de confiança é sinalizada pelo recurso ao seu equivalente funcional, o dinheiro, num sentido em que muito se assemelha ao funcionamento das organizações mafiosas: o reconhecimento da ineficiência dos sistemas de educação, saúde, segurança pública, entre outras, leva quem pode suportar o seu custo, a recorrer a instâncias privadas que fornecem tais serviços. Esta situação reduz drasticamente o papel das instituições em intermediar a geração de confiança nas sociedades, a qual fica limitada às interacções pessoais e nas comunidades de base, ou seja, a confiança fica limitada a quem se conhece, evitando assim desapontamentos.
As elites angolanas perderam momentos cruciais para a reapropriação da história nacional, em 1975, 1991 e 2002, manifestando descaso em relação à(s) sociedade(s)civil(is), desrespeito em relação à diversidade social e cultural angolana, e esquecimento do seu compromisso de conduzirem a sociedade na construção da angolanidade, permitindo estabelecer um equilíbrio entre as exigências de universalismo da globalização e o relativismo requerido pelo respeito às necessidades e realidades locais.
Na identificação de forças sociais capazes de operar a ligação entre os vários mundos que coexistem no espaço territorial Angola parece residir a condição de possibilidade para responder às demandas e às expectativas de uma sociedade mais justa e equitativa, melhores condições de vida, desenvolvimento do potencial humano, consolidação da Paz social, respeito e reconhecimento das identidades culturais, exercício do direito de participar na tomada de decisões em relação ao futuro … enfim, a tão desejada, e adiada, emancipação.
Nota: excertos de dois trabalhos: Ensaio sobre Tolerância e Confiança em Angola (com Carlos Serrano (2010) e Reconciliação nacional: para valer ou para constar (2014). Anteriormente, este tema foi abordado na minha tese “Sociedade Civil em Angola: da realidade a utopia” (2006).
17 Jan 2024