INVASÃO DA UCRÂNIA A KURSK NÃO FREOU O AVANÇO DA RÚSSIA EM DONBAS

Estrategicamente, os comandantes militares ucranianos cometeram uma falha grave, ou caíram numa emboscada de contra-inteligência militar arquitectada pelo Kremlin. E se a intenção de Zelensky era enfraquecer o avanço russo em Donbas ou noutras regiões ucranianas, calculou muito mal, porque isso sempre esteve longe de acontecer.

POR LEONARDO QUARENTA*

O ritmo de insegurança regional e internacional tem colocado em constante desequilíbrio o sistema internacional, ao mesmo tempo, tem aumentado a corrida armamentista entre vários actores da comunidade internacional, levando governos a tomarem medidas adicionais de segurança que exigem o aumento do próprio orçamento de defesa, compras de novos contingentes militares avançados e busca de tecnologias bélicas.

As mudanças na forma de condução dos conflitos, guerras e tensões, faz com que nos planeamentos de operações militares efectuadas por Estados e grupos paramilitares, sejam aplicadas outras dinâmicas, na forma de combater um inimigo estatal, um potencial Estado adversário, entre outros Um dos exemplos concretos é a denominada “guerra híbrida” (um conjunto de tácticas e estratégias militares que envolve não apenas mecanismos militares mas também mecanismos de guerra política, guerra económico-comercial, guerra diplomática, guerra migratória, guerra jurídica, guerra psicológica, ataques cibernéticos, revoltas e tumultos sociais, proliferação de notícias falsas, interferências eleitorais) para derrubar estrategicamente um inimigo (governos, grupos, organizações, facções) em prol dos interesses estatais. 

O mesmo se pode referir às “guerras por procuração” (quando duas ou mais potências combatem entre si de forma indirecta usando outros actores), esta é também uma estratégia muito usada actualmente dentro dos Mecanismos de Planeamento Operacional Militar de um Estado. Basta notar que grupos terroristas como o Hezbollah (no Líbano), o Hamas (na Palestina), os Hutis (no Iêmen) são instrumentalizados e financiados pelo Irão, para atacar Israel e desestabilizar interesses dos EUA e de outros países no Médio Oriente e em outras partes do Mundo. Esta dinâmica assinala uma nova forma eficiente de fazer guerra contra inimigos directos ou estratégicos.

Tal igual se pode verificar no conflito Russo-Ucraniano, que é também uma forma de guerra por procuração, onde os EUA, países da UE, da OTAN e países terceiros, estão dentro da guerra (de forma indirecta) apoiando a Ucrânia com treinos militares, armamentos, logística militar, dinheiro e ajuda humanitária, na luta defensiva.

Quanto à incursão do exército ucraniano na Região Russa de Kursk, vale realçar que foi um autêntico erro estratégico, além de constituir um desperdício de recursos militares e humanos que poderiam servir para reforçar as suas posições militares a nível interno. Ao deslocar parte das suas tropas em Kursk, enfraqueceu zonas de combate no próprio território. E se a intenção do Presidente Zelensky era enfraquecer a posição russa em Donbas ou noutras regiões ucranianas, calculou muito mal, porque isso sempre esteve longe de acontecer. A Rússia está a usar também mercenários e voluntários em várias frontes do conflito, logo não tinha como mudar a sua dinâmica estratégica nesse sentido. O desfecho dessa operação ucraniana em Kursk vai, certamente, terminar na morte dos seus efectivos. 

Nenhum estratega militar (agindo na base da lógica e da psicologia) traça uma operação militar sem apresentar uma linha de fuga estratégica para o seu exército, no caso de complexidade da escalada, ou em caso de encurralamento. Isso ficou evidente nessa incursão em Kursk. O exército ucraniano não tem um plano de fuga e a sua tropa já está cercada. Entretanto, estrategicamente, os comandantes militares ucranianos cometeram uma falha grave, ou caíram numa emboscada de contra-inteligência militar arquitectada pelo Kremlin. Desse jeito, a Rússia poderia justificar o possível uso de armas nucleares contra Kiev, alegando que o seu território foi invadido e que está em jogo a sua própria sobrevivência nacional.

Com o avanço da tecnologia militar, tais como satélites de comunicação e de exploração, radares militares, satélites militares espiões, sensores electromagnéticos, drones de reconhecimento fronteiriço e radar de abertura sintética (controle de movimentos e de sinais das tropas inimigas; busca de sinais, leitura do solo que analisa o movimento de viaturas inimigas) não tem como um país deslocar mais de 10, 20, 50, 100, 200 ou mais blindados, brigadas ou veículos de guerra, sem que sejam notados. Hoje isso é impossível. Nisso não há margem de erros ou dúvidas, é algo exacto, é tipo 1 + 1 = 2, porque os radares e os satélites militares espiões sinalizam a centenas de quilómetros de distância a aproximação de forças inimigas. No entanto, fica claro, tendo como base esse raciocínio técnico-militar, a Ucrânia, sem saber, foi empurrada para uma armadilha ao entrar no território russo, sem ter dado conta que isso enfraqueceria as suas posições noutras zonas de combate. Isso verificou-se após à incursão de Kiev em Kursk. A Rússia avançou significativamente na Região de Donbas… e a médio prazo Kiev sairá de Kursk. E, infelizmente, as tropas ucranianas não têm como sair de lá vivas. Esse será o desfecho dessa incursão. E não importa o que aconteça, o Presidente Zelensky, estrategicamente, deveria concentrar-se no campo de batalha a nível interno e tentar ganhar terreno, repelindo as tropas russas em Donbas, em Karkiv, em Zaphorizhia ou em Kherzon. Ao entrar em Kursk, para além de escalar o conflito, Zelensky deu um tiro no próprio pé. 

Post-Doc Researcher (O Jurista e o Direito, Política & Diplomacia, Defesa & Segurança).

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