Insistência nos erros que serão corrigidos pela história

VEGETANDO POR AÍ

Ramiro Aleixo

Com todos os arranjos e favorecimento para vencer as eleições, a actual direcção do MPLA transmite-nos uma imagem próxima daquela que trouxeram das matas, em vez de gente que fazendo parte de outra geração e com outra visão, ao longo de quase 47 anos de independência, teve tempo para aprender com os erros e mudar, naquilo que se deve ter como evolução permanente do mundo, dos homens e das coisas. Parece-nos, no entanto, que o tempo e as suas mutações de desenvolvimento não passam por eles. Que horror! Continuam na Idade da Pedra.

Os seus dirigentes, de agora, mantêm-se parecidos aos do passado, que quando chegaram queriam tudo. Cometeram erros ao produzirem uma bandeira da República, com as cores no todo iguais as do seu movimento. E um dia, será mudada! Cometeram o erro de produzir um hino que, apesar de galvanizador e bonito, será um dia alterado porque não representa a verdade sobre o nosso passado. Cometeram outro erro, ao fabricarem uma história libertadora onde apenas os seus heróis foram os protagonistas, com particular realce para Agostinho Neto. E ela será alterada, porque até na do próprio MPLA, essa figura não foi propriamente um santo. E, no pós-independência, que também resultou de um golpe que tem as suas impressões digitais, essa história já não aceita, desmente, que os assassinos foram os “fraccionistas” (ou nitistas), e que os agentes ao serviço do MPLA e do Estado, “os netistas”, agiram por emoção, quando foi ele, no exercício de dupla liderança “suprema”, quem decretou a sentença de que “não haveria perdão”. E não houve…

Vai-se lá saber porque razão, mesmo não sendo alheio à esse passado vergonhoso, embora se perceba nas entrelinhas que não se trata de uma questão de Estado, o presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço, que é também o presidente do MPLA (a mesma organização que em tudo isso não passa incólume) , nessa sua “briga” contra o outrora “arquitecto da paz” que nem agora indefeso, adoentado e jogado para a parte da escória dessa história que eles construíram, tem sido por si poupado, decidiu ressuscitar uma figura tão macabra como foi Agostinho Neto. No mínimo, só pode ser, também ele, uma figura sinistra que, para além do respeito que lhe é devido, nos está a impor medo e cautela. Porque, num Estado livre de mordaças políticas, ainda que fosse acusado ou suspeito da morte de um só cidadão, Agostinho Neto não seria merecedor desse respeito e romaria. Imagine-se então por ter encabeçado uma equipa comprovadamente responsável por uma purga, em que foram assassinados e torturados milhares de angolanos, entre os quais a sua própria esposa. É intrigante essa postura, de perdão mas também de conivência, ou cobertura à que está relacionado directamente com esse passado ignóbil. Até porque, com a sua ascensão, não se esperava que fizesse só um corte radical com todas as más práticas do passado, em que se inclui a corrupção, o desrespeito às nossas liberdades e aos direitos fundamentais, ou que resolvesse esse passivo da entrega dos restos mortais de Jonas Savimbi e de dirigentes da UNITA mortos no meio desse imbróglio, mas também das vítimas da sanha assassina do 27 de Maio de 1977, que são, no todo, consequência da repetição e insistência em erros em que as direcções descendentes do MPLA não estão isentas de culpas, até por deixarem que esses casos se arrastassem por várias décadas. 

Considerando todos esses factos aqui relatados, a atribuição do nome de Agostinho Neto ao novo aeroporto internacional em Luanda e as manifestações que decorrem para assinalar o seu centenário suportadas pelo Estado, amordaçado pelo MPLA, que para o efeito faz uso e aproveitamento do nosso dinheiro, neste novo contexto de mudanças e de pretendida harmonia, são outros daqueles erros que a direcção desse partido, que governa o país, deveria evitar. Porque, não tenham dúvidas, a sua estatua, no Largo da Independência, será removida um dia. Porque a história, incluindo a política, tem dinâmica própria, perdoa mas não apaga factos e por isso se encarregará de passar uma esfregona com água e lixivia, em tudo o que leva o nome de Agostinho Neto, para que a verdade esteja visível. 

Não se trata da manifestação (ou também imposição) da vontade ou de um desejo pessoal. Será resultado da cobrança natural e incontornável que ocorrerá um dia, leve o tempo que levar, porque ao contrário do que os seus correligionários sobreviventes pintam, no contexto da luta libertadora, ele não foi o maior e esteve longe de ser o melhor. Mas, infelizmente, quer a esposa, Maria Eugénia Neto, quer a filha, Irene Neto, supostamente mas esclarecida que sua mãe, bem como outras figuras com responsabilidades elevadas no MPLA,  aceitam e participam na animação desse circo, a coberto de um estatuto protector que um dia também se poderá transformar em vergonha e desonra, até para os seus descendentes.

Temos quase a certeza que o diabo não nos carregará, sem que se veja a reparação desses erros, porque para além da reposição da verdade, a responsabilização de Agostinho Neto ainda que, póstuma, constituirá um acto de reposição da justiça e de respeito por todos aqueles que foram e são vitimas desse Sistema implantado por esse partido que, desde que veio das matas, se apoderou de Angola, passando por cima de todos os demais que deram o seu contributo à luta pela nossa liberdade, que, como se vê, ainda não terminou.

Por esses e por outros encalhos que ainda teremos que remover ao longo do nosso percurso para consolidação do Estado para que seja livre, democrático e de direito, aponte-se razão plausível que nos faça acreditar, que esse poder não continuará a aterrorizar-nos com a sua ditadura? Eles falham até na interpretação de questões tão básicas e elementares, como o respeito ao direito à vida com dignidade, não diferenciam um santo do pecador, a fome da abastança e de hospitais de luxo! Se fossem visionários e verdadeiros, não esperariam que outros se munam de esfregonas, de água e de lixivia para limpar a sujeira da sua rega-bofe, porque o preço a pagar, pode ser demasiado alto.

Quem sabe, a factura, provavelmente, não está já a caminho?

Ramiro Aleixo 25.06.22 

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