EM ANGOLA HÁ JUÍZES QUE NEM RESPEITAM A CONSTITUIÇÃO?

MARIA LUISA ABRANTES

A Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação de Luanda, no dia 1 de Agosto de 2024, proferiu o Acórdão n.º 114/24-G, relativamente ao processo n.º 22/2024-G, dando provimento ao pedido dos requerentes (candidatos a estagiários da OAA). Os requerentes, instauraram uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pela entidade requerida (OAA), que através do artigo n.º 1 e seguintes, do Regulamento n.º 22/2022, de 15 de Fevereiro, exige a realização de um exame nacional de acesso ao estágio na OAA.

Entre outros factos, os Juízes Desembargadores do Tribunal referem, que “Foi feita a comparação entre os requisitos nos diplomas que explanamos e os Regulamentos consideramos que os citados Regulamentos vão além do regime constante das normas habilitantes, pois estas não exigem aos licenciados em Direito, que pretendam enveredar pela advocacia, a realização de um exame com vista a apurar os mais dotados de conhecimentos jurídicos científicos, apenas exigindo a licenciatura de Direito, a inscrição, o estágio, e a boa avaliação no CITADO tirocínio”.  

Não obstante a frase que acima transcrevemos esteja mal redigida do ponto de vista estrutural e de pontuação e com pleonasmos, é nosso entendimento, que se refere aos Regulamentos da OAA, n.º 1/2019 e n.º 22/2022. 

Para a tomada de decisão do Tribunal, na ausência de jurisprudência de casos julgados em Angola, os Juízes Desembargadores fizeram recurso ao Direito Comparado. 

Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 193.º da CRA, é a Ordem dos Advogados a entidade competente para “a regulação do acesso à advocacia…”, cujo objecto é bastante claro, em sede do artigo 1.º (objecto), do Regulamento n.º 22/2022 da OAA, isto é: “O presente regulamento estabelece as regras gerais de realização e participação no Exame de Acesso à advocacia (ENOAA)”. Não manda a Constituição recorrer ao Direito Comparado. No caso do Direito angolano, usando como fontes o Direito Romano-Germânico, funda-se na lei, diferentemente do Direito Anglo-saxónico (Common Law), que recorre a casos julgados. 

Os sistemas jurídicos dos diferentes países são fundados nas suas diferentes características e variantes, não apenas políticas, sociais e económicas, mas também regionais e psicológicas. A título de exemplo, o acesso à Ordem dos Advogados nos Estados Unidos de América (ABA), carece de exame. Por outro lado, nesse país, é exigido que os candidatos ao curso de advocacia, à semelhança dos candidatos ao curso de medicina, tenham que ter, obrigatoriamente, uma licenciatura em qualquer matéria antes. Por quê? 

— Para terem experiência de vida (elemento psicológico).

Por outro lado, nos EUA, nenhum jurista pode ter pretensão a ser juiz, nem de frequentar o curso de magistratura, sem ter feito o exame na Ordem de Advogados (American Bar Association) e ter exercido advocacia de 4 a 10 anos, dependendo do Estado em que pretender exercer essa profissão.

Não é o caso de Angola, onde não há critério lógico para se ser Juiz. Aliás, em muitos casos, se calhar, valeria mais haver um jurado (leigos). 

Deveremos ainda recordar, que a só em 2011, durante a VII Conferência da Ordem dos Advogados Portugueses, após o acordo de Bolonha, como consequência da adesão de Portugal a UE, foi tomada a decisão de abolir o exame de acesso aos estágios em advocacia na Ordem. Por quê?

— Porque a maioria das licenciaturas em alguns países da União Europeia, em especial nos países anglófonos, tem a duração de 3 a 4 anos, uma vez que os cursos são direccionados para determinada especialização, enquanto em Portugal eram de 5 anos. Com a livre circulação de pessoas (europeias), os portugueses estavam a ser penalizados no seu próprio país, quando pretendiam arranjar o primeiro emprego, após a licenciatura. Por essa razão (regional/UE), acordaram suprimir um ano ao curso de Direito e o exame de acesso à OA. As disciplinas suprimidas aos vários cursos, passaram a ser consideradas especialidades.   

No Brasil, país Federado, onde também é exigido o exame a OAB, para acesso dos candidatos a estagiários em advocacia, em Março de 2006, a 2.ª Turma do Tribunal Superior de Justiça (TRF-4), em acórdão, deu provimento ao pedido efectuado por Alex Poitevin Teixeira, um candidato ao estágio, contrariando o recurso da OAB-RS (Ordem dos Advogados Gaúchos). Todavia, a decisão foi fundada no facto provado, de o requerente já ter efectuado 300 horas de estágio, durante 10 anos de experiência como jurista, (tendo concluído o curso em Agosto de 1996), nos seus locais de trabalho. Foi relator do caso, o Ministro (Juiz Conselheiro), João Otávio de Noronha (RESP 380.401). 

No caso dos supracitados candidatos a estagiários da OAA perguntamos:

— Quantas horas de experiência teriam? 

— Estarão todos capazes de fazer uma composição em português de livro fechado? 

— Para além dos artigos dos códigos que podem e devem ter sempre abertos, dominarão a base doutrinária?

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