ZOOM DA TUNDAVALA

Com cinquenta anos de independência no lombo, foram incontáveis as reflexões lidas, ouvidas, ditas, sobre os desafios que havia pela frente desde essa altura, e dos planos também sem conta que, irremediavelmente, conduziram aos fracassos conhecidos, divulgados, analisados, muitos dos quais poderiam ter sido evitados, ou pelo menos reduzidos os estragos, se o “eu é que sei” não tivesse sido a chave mestra de quem põe e dispõe.
No “tempo da outra senhora”, já era o falar do povo que apontava para algo que já estava errado, e se dizia: “Luanda é Angola, a capital é na Mutamba e o resto é paisagem.” De lá para cá, o chavão sofreu pequenos ajustes, mas apenas no conceito, porque Luanda continua a ser Angola, a capital foi mudada para a Cidade Alta e, o resto, é cada vez mais uma paisagem sombria, sem perspectivas.
Acenturam-se nestes cinquenta anos as desigualdades entre os filhos da mesma Mãe Pátria, agravaram-se as assimetrias, ou se for mais entendível, as desigualdades económicas e sociais, e isso tem um preço muito alto a pagar: o abandono das áreas de origem pelas populações mais vulneráveis, em busca de outras, nem sempre melhores condições de vida e oportunidades nas cidades. Daí que Luanda, como o destino preferencial, esteja a “rebentar pelas costuras”, ao ponto de um antigo ministro ter admitido que Luanda “é ingovernável”.
As desigualdades estarão mesmo a ser agravadas considerando os incontáveis “Planos/Programas” falhados, fracassados, a tal ponto que, por ainda haver liberdade para isso, se possa pensar que, a forma como tais planos/programas foram ou têm sido “engendrados”, tem sido meticulosamente pensada mais em interesses opacos, do que propriamente no propalado propósito de desenvolvimento, de crescimento económico, de melhoria das condições de vida de quem vota e paga impostos, o Zé Povo.
De todos os “programas”, paridos nos luxuosos gabinetes climatizados da “grande aldeia”, mereceu mesmo as devidas notas, e também por parte do governador da Huíla, o falhado PLANAGRÃO que, propositadamente, ignorou a maior zona de produção de milho deste País, o designado “Triângulo do Milho”, localizado nas províncias da Huíla e Huambo que foi, no “tempo da outra senhora”, a maior e principal área de produção de milho deste país, que todos os anos enchia armazéns e silos e tornou a Caála, a “Rainha do Milho”. Foram muitos os questionamentos sobre esta tremenda falha e não se diga que o único (i)responsável foi o ministro que o engendrou e apresentou. Foi toda a governação que falhou porque o dito plano foi analisado e validado em foro próprio. Houve tempo de o rectificar e não se quiz.
Por que falhou o PLANAGRÃO? E todos os outros planos? Desde logo, porque não se quer ouvir vozes experientes, conhecedoras da matéria, vozes com sabedoria, que aconselham, mas são menosprezadas, porque “eu é que sei”. Quem se responsabiliza pelos dinheiros gastos sem retorno? Como não há memória, nestes cinquenta anos, de se ter apontado o dedo ao culpado, provavelmente, seja o povo que não foi “suficientemente patriota”.
Outro exemplo é o do Perímetro Irrigado das Gangelas, na Chibia que, segundo é sabido, representa um verdadeiro atestado da total falta de confiança na governação local porque, mesmo depois do posicionamento do governador da Província da Huíla, a responsabilidade da gestão daquele investimento perdido ainda se mantém “lá em cima”, porque não há confiança nos de “cá de baixo”, ou porque alguma coisa ainda está por se saber, e nisto já lá vão quase 20 anos ou mais, e aquilo está como está: abandonado pelo dono.
Luanda continua, de facto, a ser Angola. Basta ver que é lá onde se concentra quase um terço da população do país, para se ter a dimensão do problema que representa o êxodo populacional para as cidades e, no caso, para a “grande aldeia”. De igual modo, a cidade do Lubango, que contava com 60.000 habitantes em 1974, hoje tem certamente mais de 1.300.000 almas, fruto não só do crescimento populacional, mas também do mesmo fenómeno das desigualdades que geram o êxodo. Outro indicador é o dos investimentos realizados por lá, começando pela Zona Económica Especial de Luanda-Bengo, por muitos considerada mais uma zona de empacotamento e enchimento do que propriamente de transformação, que tem feito questionar se não haveria interesse, para um tão desejado desenvolvimento mais equilibrado do país, criar-se uma zona económica especial, no centro-sul, virada para a agropecuária e pescas, por exemplo. Seria certamente uma forma de pensar mais país, para não se ficar com a impressão de que só os “pensólogos” de lá têm ideias.
É de todo desejável que Angola não seja simplesmente um todo geográfico porque, de contrário, Luanda vai continuar a ser Angola pelos próximos cinquenta anos.
