COISAS QUE NÃO SE ESQUECEM (6)

JAcQUEs TOU AQUI!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

E.T. – O lançamento do meu último livro em Lisboa, na quinta-feira passada, correu bastante bem. Quero agradecer a todos os que compareceram ao acto e àqueles que não podendo estar presente, se solidarizaram com o evento. Bem hajam todos.

Estava numa encruzilhada – são difíceis porque exigem decisão – quando esta semana tive de escolher o que escreveria para o Kesongo. Manter a saga das lembranças? Agradar a meia-dúzia de saudosistas de Calulo e do Dondo enquanto exigentes leitores vão dizendo, de caxexe, que merecem mais que o que lhes é oferecido? Bastam-me os problemas da política e do futebol, tocados que estão por manifestações de um nacional-radicalismo incoerente e irritante. Medito sobre se devo desligar-me do jogo que se disputa na Tuga ou na Premier League e optar pela qualidade do que oferecem os nossos históricos na bwala. O que fazer perante o desconhecimento de como o Wiliete e outros, surgiram na nossa cena desportiva? 

Devo confessar sem qualquer complexo que me aborreço seriamente quando entre nós se zurze no meu Benfica e na paixão que tenho pelo clube, de um modo implacável, umas surras que estão ao nível das bojardas de certos comentadores, eivadas de atitudes ultras, semelhantes as que produzem militantes de determinados partidos políticos (de aquém e além-mar, diga-se de passagem).

Brinco falando verdade, já deu para ver, né?  Desculpem-me estimados leitores, mas também tenho os meus direitos e gosto de os exercer. Passemos então e agora para assuntos mais sérios.

Pois bem, estava eu a pensar no que iria oferecer aos meus escassos leitores, quando fui descobrir na minha arca de antiguidades, uma peça preciosa, uma autêntica relíquia (pelo menos para mim), e não tão antiga quanto isso. Trata-se de uma peça assinada pelo jornalista e também meu amigo Manuel Rodrigues Vaz, do qual, confesso, já me tinha esquecido completamente. Diz-me respeito e vai interessar, certamente, a todos os que me acompanham nesta página. Assim, e porque entendo tratar-se de matéria que não deve ser desperdiçada, nas duas semanas que teremos pela frente, continuarei com a epígrafe “Coisas que não se esquecem”. Estou convencido que usufruirão das ideias, do pensamento e do enorme conhecimento de um indivíduo fortemente ligado a Angola, à nossa gente e à nossa cultura. Palavras debitadas numa palestra lida no Restaurante O Pote, em Lisboa, no âmbito do Ciclo de almoços temáticos da Tertúlia à Margem. Corria o ano de 2017, no dia 15 de um Novembro de todas as nossas esperanças. Espero, sinceramente, que o apreciem. Ei-lo então:

MANUEL RODRIGUES VAZ

NGHÉRI-HI, 

O “IMPERADOR DO LIBOLO” OU A EVOCAÇÃO DO ALGARVIO QUE FOI O MAIOR POVOADOR DE ANGOLA

Antes de mais, tenho de fazer uns avisos e algumas declarações, que parte de vocês vão, com certeza, achar contraditórias, mas que não são tanto como isso. Embora tenha sido um dos beneficiados com o chamado Ultramar, e, portanto acabei por ficar prejudicado com o 25 de Abril, que aplaudi e aplaudo como um momento necessário da nossa viragem, tenho que dizer que entendo que as colónias, a par da Inquisição dita Santa, mas que foi apenas um desfilar de arreliantes tropelias, estiveram na origem do atraso secular cujas consequências ainda hoje sofremos.

No entanto, factos são factos, a História é a História, e, no fundo, alguma coisa poderá ficar, apesar de o racismo ainda por aqui se ir manifestando com demasiada recorrência. Devo ainda declarar que o Portugal de hoje, nesse aspecto, já não tem a ver nada com o que vim deparar em 1981, quando regressei de Angola. Sobre uma polémica que se instalou recentemente sobre se Portugal devia pedir desculpa pela colonização e pela escravatura, tenho a dizer, que estou radicalmente contra. Colonização foi uma série de ciclos que envolveu desde muito cedo a humanidade, nós próprios fomos colonizados pelos romanos e depois pelos árabes, e mal de nós se ainda pensássemos obrigar estes povos a pedirem-nos desculpas. E não esquecer, por exemplo, que a maior parte das etnias que hoje se reivindicam angolanas foram também invasoras – vieram essencialmente da região dos Grandes Lagos, só se considerando que os autóctones são apenas os KoiSan, conhecidos erradamente como bosquímanos. Aliás ainda há colónias, e infelizmente ainda há escravatura, vamos é lutar de algum modo para que isso desapareça da face da terra, é mais urgente.

Mas vamos ao que interessa hoje: apresentar o livro do meu amigo Jacques Arlindo dos Santos, profissional de seguros que queria ser escritor e que fundou uma das associações culturais mais importantes de Angola, a Associação Chá de Caxinde. Circunstancialmente, conheço-o há relativamente pouco tempo, mas fui amigo chegado de dois dos seus irmãos, o Bito e o Aguiar dos Santos, ambos já desaparecidos, especialmente o Bito de quem guardo muitas saudades das discussões infinitas que chegavam sempre até às tantas da madrugada, nos idos de 1972, no Huambo. Vamos então ao livro, de que vou ser muito sintético, porque o que interessa hoje aqui é a figura do seu antepassado, o louletano Manuel Jorge, de seu nome completo Manuel Jorge de Sousa Calado, que retrata com mão de mestre.

Como diz no prefácio a nossa amiga Maria Luísa Dolbeth e Costa, «Na progressão da leitura, a história vai seguindo recortada por pausas intencionais para nos fazer parar e, quiçá, essa espera, para o desenrolar dos acontecimentos, cria também o suspense, mantendo-nos amarrados à leitura, sempre na expetativa do que vai acontecer a seguir, e não nos deixa parar porque estaremos sempre a ligar o fio à meada».

«Autor de Casseca – Cenas da vida em Calulo (1993), Chove na Grande Kitanda (1996), ABC do Bê Ó (1999), Berta Ynari ou o Pretérito Imperfeito da Vida, vencedor do Grande Prémio Sonangol de Literatura, em 2000, e Kasakas & Cardeais (2002), Jacques Arlindo dos Santos nasceu a 6 de Outubro de 1943, fez os estudos primários em Calulo, Kwanza-Sul, e secundário em Luanda. Foi profissional de Seguros e Técnico de Contas, tendo exercido a função de Diretor Comercial na Empresa Nacional de Seguros e Resseguros de Angola, ENSA. Foi, ainda, como já disse, sócio fundador da Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde, assumindo a presidência do seu Conselho Directivo, de que se afastou recentemente para dar lugar aos mais novos. Sobre Jacques Arlindo dos Santos, o escritor e actual ministro da Comunicação Social de Angola, João Melo, considera: «que o autor faz a história das mentalidades sem tirar nem pôr. Acredite quem quiser. Não faltam, até, as trepidantes aventuras sexuais. Se os dramas individuais não fazem mover a história, pelo menos no seu conjunto (não renego minhas raízes marxistas!), têm muito mais importância do que, durante muito tempo, nos quiseram fazer crer os cientistas macro (céfalos?)». Tendo-me chamado a atenção com o seu curioso ABC do Bê O, que reforcei com a leitura de Casseca, crescentemente interessante, acabei por quase delirar com as aventuras de um general do prédio do cão da Fidelidade, que com a corrupção engorda tanto que, depois de morto, tem de ser içado por uma grua, incluído no seu volume Kasacas & Cardeais, pelo que não me surpreendi com a ambição declarada de com este livro novo fazer marco de história literária. Que consegue realmente.

(o texto tem continuidade na crónica do próximo domingo)

E assim termino a tarefa de hoje. Esperando que este pedaço tenha interessado os leitores, despeço-me de todos com o habitual desejo de voltarmos a estar juntos, no próximo domingo, à hora do matabicho.

Forte da Casa, Portugal, 28 de Setembro de 2025

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR