A OMISSÃO LEGISLATIVA E A INICIATIVA DA SOCIEDADE CIVIL

Perdura há 15 anos, a  omissão  no ordenamento jurídico angolano da  lei que  define e/ou regula os procedimentos da iniciativa legislativa por parte de cidadãos.

CHIPILICA EDUARDO

Primacialmente, é imperioso, a título de estudo comparativo, que compreendamos o exercício do direito legislativo dos cidadãos portugueses, nos seus termos e  condições  da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, com alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2012, 24 de Julho.

O diploma acima impõe que só 20.000 cidadãos eleitores  podem apresentar  ao Presidente da  Assembleia Nacional a sua iniciativa legislativa, constituindo, para o efeito, uma comissão representativa de  5 a 10 subscritores. Logo que é admitida, obedecendo ao requisito de forma,  a iniciativa é publicada em Diário da República e, por conseguinte, encaminhada à comissão especializada  para, no prazo de 30 dias, elaborar o relatório parecer, ouvindo a comissão representativa dos cidadãos, seguindo as reuniões plenárias para a apreciação e votação na especialidade, em razão da matária e generalidade, e, acto contínuo, votar-se na globalidade. Portanto, é exemplo de participação cidadã e não de monopólio do poder político na elaboração das leis. 

Em Angola,  n.º 5 do artigo 167º dispõe que  os cidadãos organizados em grupos e organizações representativas, podem apresentar à Assembleia Nacional propostas de projecto de iniciativa legislativa, nos termos a definir por lei. 

No entanto, perdura há 15 anos, a  omissão  no ordenamento jurídico angolano da  lei que  define e/ou regula os procedimentos da iniciativa legislativa por parte de cidadãos. Por isso, alguns especialistas entendem que, na ausência de uma lei ordinária,  é, de certo modo, inaplicável o referido exercício.

Aliás, sublinhe-se, que a lacuna da lei é apontada como principal causa da denegação  do exercício desencadeado por um grupo de cidadãos angolanos, sobre a proposta de projecto de iniciativa legislativa  de Alteração da Lei n.º 18/12, de 23 de Maio – Lei  Orgânica  de Alteração a Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, que foi, deveras, ignorado e mandado para o lixo. Ou seja, em bom português, arquivado pela Presidente da Assembleia Nacional da República de Angola. 

É, de resto, consabido que a referida iniciativa não é um projecto de lei e/ou proposta de lei, sendo competência dos deputados, grupos parlamentares e do Presidente da República.

Logo, em rigor, não colhe o argumento da omissão legislativa ordinária, como fundamento  impeditivo da rejeição da respectiva iniciativa dos cidadãos, a que se alude acima, como nos têm – a todo custo – feito crer, porquanto os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, às liberdades e garantias fundamentais, são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas, nos termos do artigo 28.º da CRA. 

De igual modo, os defensores da rejeição justificam que só os deputados podem discutir a lei e não os cidadãos,  e concluem que  foi uma aventura sem resultados. 

Este argumento não é válido, porquanto a  iniciativa dos cidadãos não é uma lei e o maior resultado de ensaio é indesmentível, a captura das instituições do estado pelo regime. Ademais, os critérios de interpretação da lei, a integração das lacunas por analogia, os princípios consitucionais e gerais do direito orientam a interpretação e integração, nos termos dos artigos 13º e 26º da CRA.  Sem esquecer que Angola ratificou vários tratados e acordos internacionais que fazem parte do nosso ordenamento jurídico. 

Por conseguinte, por analogia é aplicável, ainda que para apreciação e discussão com necessárias adaptações sem ferir, obviamente, o espírito do legislador constituinte, a da Lei n.º 13/17 de 6 de Julho- Regimento da Assembleia Nacional. 

Almejamos, contudo, que um dia tenhamos uma lei especifica sobre a iniciativa legislativa dos cidadãos, ou  seja, suscitada esta inconstitucionalidade por omissão pelo Presidente da República,  1/5 de deputados e o Procurador da-Geral da República, ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 232º da CRA.

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