Os discursos de quem usa a mentira como arma para se manter no poder e a recorrente mobilização do ‘inimigo’ como o responsável por todos os nossos males, constituem uma ameaça à estabilidade social e ao regime democrático.

Muito se tem falado ultimamente sobre mentiras, inverdades e fake news. E embora se fale neste assunto como se de um fenómeno novo se tratasse, o recurso à mentira e a estratégias de diversão sempre existiu, como o comprovam os compêndios de História e obras referenciadas em Ciência Política, como “O Príncipe”, de Maquiavel. Lendo-os, percebe-se que a utilização da mentira para obter um qualquer benefício, parece intrínseca à natureza humana, sendo prática corrente na política, a sua expressão maior. O cidadão não pode mentir, é moral e civilmente condenado, mas o governante pode, um chefe de polícia pode! Não só está autorizado, como deve lançar mão de mentiras na luta política pelo poder.
Em época de campanha eleitoral a mentira sob a forma de promessas, de difamação dos opositores, de enganação geral, domina os discursos. Em período de instabilidade social, a mentira como desinformação, como justificação do injustificável, como ameaça, é recorrente. Neste tempo em que, por todo o mundo, se assiste ao espectáculo da mentira como arma política, desponta uma associação bastante perigosa entre esta ‘arma de destruição massiva’ e os meios digitais, redes sociais e plataformas, que potencializam os efeitos da falsificação dos factos, do recurso a inverdades e a manipulações de opinião. No fundo, é um velho problema, a mentira, numa nova roupagem, as redes sociais e plataformas.
Mas, existe um facto novo que não podemos deixar de analisar. Os discursos de quem usa a mentira como arma para se manter no poder, declaram que a combinação de ‘políticos ambiciosos e pouco escrupulosos’, ‘agentes internos e externos’ – a recorrente mobilização do ‘inimigo’ como o responsável por todos os nossos males -, com as redes sociais, constitui uma ameaça à estabilidade social e ao regime democrático. Esse é o enquadramento. Logo em seguida, atribuem às redes sociais, ou seja, ao meio, mais do que às forças políticas, a autoria, a responsabilidade pelo que acontece. No nosso caso, as revoltas populares, em várias cidades, que resultaram em perda de vidas, em detenções, em repressão generalizada, e à violenta reacção à repressão policial, através de assaltos, saques e destruição.
A questão de fundo não está nas redes sociais em si. A questão está em que os ‘agentes da mentira’ não só têm sabido utilizar a tecnologia para aperfeiçoar os seus métodos de produção em massa de mentiras, usando servidores com propriedade e localização desconhecidas, como têm sabido utilizar as redes sociais para distribuir a mentira que produzem. Do nosso lado, dos receptores, enquanto uns se limitam ao espanto e à indignação, outros andam distraídos ou entretidos a comentar futilidades nas redes sociais, outros ainda fazendo de conta que não passa nada. Entretanto, ‘eles’ actuam, fabricando mentiras e criando esquemas de desinformação que acabam por desencadear situações de confronto. A energia que se manipula pela mentira não é a do respeito pelas normas partilhadas, mas a da ordem que se impõe pela força, e nos controla, e que, uma vez normalizada, acciona os nossos medos e nos paralisa.
Estabelecer uma associação funcional entre duas coisas diferentes como “mentira” e “rede social”, que existem uma sem a outra, como uma relação de causa-efeito, é tão absurdo como seria culpar o papel por quaisquer prosas menos sérias nele impressas, ou responsabilizar o ar pela propagação da peste (adaptado de João Paixão, A Verdade Sobre a Mentira, 2018).
Muita atenção para não cair em manipulações nem em desenganos fabricados com o objectivo de desinformar, de confundir.
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