A MANGUEIRA QUE ESCUTAVA

AUTOR: JOAQUIM SEQUEIRA

Num bairro poeirento de Luanda, logo após o sol nascer e a guerra ter dado lugar a uma promessa de independência e melhoria das condições de vida, um grupo de crianças reuniu-se em redor de uma mangueira antiga. As vozes misturavam-se com o chilrear dos pássaros, mas havia nelas um peso que não combinava com a idade.

Eram meninos e meninas de pés descalços, roupa rasgada, cadernos feitos de folhas soltas. Entretanto, o olhar deles carregava uma claridade inquieta, como se vissem mais longe do que os olhos podiam.

O meu pai ainda não voltou – disse Lemba, apertando contra o peito a pasta escolar herdada do irmão mais velho. – Saiu para procurar trabalho, mas dizem que há muitos homens como ele, todos à espera de uma promessa que nunca chega.

Kito, o mais pequeno, respondeu num murmúrio:

– O meu pai está em casa… mas deitado, como se não tivesse mais força. A mãe diz que ele já trabalhou muito, que o corpo cansou cedo. Eu não entendo… não é agora que a vida devia começar a ser diferente?

As crianças ficaram em silêncio. A mangueira balançava os galhos, como se também escutasse.

– E as casas? – perguntou Rosa, com as tranças desfeitas. — Vocês já viram como moramos? No tecto da nossa cozinha chove mais do que o céu. A mãe diz que vai arranjar, mas ela mesma não tem onde pedir ajuda.

O grupo suspirou em coro, um sopro de infância que soava a lamento.

Mas então Matuba, que sabia juntar palavras como se fossem sementes, ergueu-se e disse:

– O professor fala que estudar é plantar o futuro. Mas a escola termina no quarto ano. Depois disso, para onde vamos? Os livros são poucos, os cadernos também. Talvez por isso os adultos falem tanto de esperança, porque é a única coisa que não precisa de papel.

As crianças riram-se baixinho, mas havia lágrimas escondidas nos olhos.

Foi nesse instante que algo se acendeu entre elas: uma chama ténue, como uma vela acesa ao meio-dia, quase invisível, mas impossível de apagar. Não era ainda política, nem sequer compreensão das estruturas que regiam o país. Era apenas uma intuição: de que os problemas das casas, do pão, do trabalho, da escola… não eram apenas dores dos pais, mas sementes lançadas também nos seus pequenos corações.

E assim, sob a sombra da mangueira, as crianças brincaram outra vez, mas com gestos mais lentos, como se carregassem em cada riso uma responsabilidade. O chão estava cheio de pó, mas, nos olhos deles, começava a brotar o futuro.

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