A DESOBEDIÊNCIA CIVIL – TRIBUTO A HOWARD ZINN

Os cidadãos de todos os países necessitam de empreender a desobediência ao estado. E isso não é uma coisa metafísica, mas algo com força e com poder. E nós precisamos de uma forma de ‘Declaração da Interdependência’ dos povos de todas as nações que lutam pelas mesmas coisas.

CESALTINA ABREU 

A desobediência civil deve ser entendida como um comportamento que os cidadãos – em particular os que se identificam e integram as diversas formas de organização política da cidadania, a sociedade -, assumem frente ao Estado e ao mercado, questionando normas ou decisões originárias de seus representantes, de natureza não democrática, em situações ocasionais e bem delimitadas, através da acção, ou da omissão, desobedientes à ordem jurídica, mas dentro dos princípios da cidadania, com o intuito de mobilizar a opinião pública para a reforma ou a revogação de tais normas ou decisões.

Vários foram aqueles que defenderam a Desobediência Civil, nomeadamente Mahatma Gandhi, Hanna Arendt, Nelson Mandela e Howard Zinn (1922-2010), historiador / autor / roteirista / activista que escreveu diversos livros(1) e leccionou por mais de 30 anos. Em 1970, ele proferiu um discurso sobre desobediência civil. Em 2012, o actor Matt Damom interpretou esse discurso, em tributo a Zinn, cuja transcrição/tradução apresento abaixo. São 5 minutos com sábias palavras que resumem o pensamento que todos precisamos ter para um futuro melhor. Para todas as pessoas, todos os lugares, todo o planeta. Influenciado pelo anarquismo, Zinn enfatizava a acção directa e a organização horizontal, a resistência e a solidariedade para construir uma sociedade mais justa e igualitária sem as hierarquias opressivas do Estado e do mercado/capitalismo. Defendia a ideia de uma cidadania real, prática, uma cidadania activa, apreciem, mais do que isso, pratiquem!

“As coisas estão todas erradas. As pessoas erradas na cadeia e pessoas erradas fora da cadeia. Há pessoas erradas no poder e pessoas erradas fora do poder. A riqueza está distribuída neste país, e no mundo, de tal maneira que não é necessária simplesmente uma pequena reforma, mas se requer uma drástica realocação da riqueza. Eu comecei com uma posição em que não deveria pensar muito nisso, porque tudo o que tínhamos de fazer era pensar no estado actual do mundo e perceber que está tudo de cabeça para baixo. Mas todos nós pensamos que bastava ver um pouco de Tv, remanejar algumas coisas… E, realmente, começamos a pensar que as coisas não estavam erradas. Nós tínhamos de dar uma certa distância e depois olharmos para o mundo… E ficámos horrorizados! As coisas estão realmente mal… E um tópico é a ‘desobediência civil’. E vocês estão dizendo: o nosso problema é a desobediência civil. Esse não é o nosso problema. O nosso problema é a ‘obediência civil’! O nosso problema é que numerosas pessoas pelo mundo obedecem aos que lhes é ditado pelos chefes dos seus governos, e vão à guerra. E milhões são mortos por causa dessa ‘obediência’. Nós reconhecemos isso na Alemanha nazista. Nós sabemos que o problema lá era obediência. Que as pessoas obedeciam a Hitler. As pessoas lá ‘obedeciam’. Isso estava errado. Elas deveriam ter desafiado. Elas deveriam ter resistido. E se estivéssemos lá gostaríamos de mostrar-lhe. Stalin na Rússia. Podemos entender isso, as pessoas eram ‘obedientes’.

Todas essas pessoas eram como ovelhas. Lembram-se dos maus velhos tempos em que as pessoas eram exploradas pelo feudalismo? Tudo era terrível na Idade Média! Mas agora temos a ‘civilização ocidental’. O ‘Império da Lei’O ‘Império da Lei’ regulando e maximizando a injustiça para as pessoas… É isso que o “Império da Lei” tem feito. Em todas as nações, o “Império da Lei”, o queridinho dos chefes e a praga das pessoas…

Estamos a começar a reconhecer isso. Temos de transcender esses limites nacionais em nosso pensar.Nixon e Brejnev têm mais em comum um com o outro do que nós temos com o Nixon. Hoover tem mais em comum com o chefe da polícia soviética do que connosco. É a dedicação internacional à ‘lei e à ordem’ que junta os chefes de todos os países num grupo de camaradas. Por isso é que todos ficam tão surpresos quando eles estão juntos. E sorriem e apertam as mãos e fumam charutos. Eles realmente gostam uns dos outros, não importa o que digam. O que estamos nós a tentar dizer, eu presumo? Trata-se de, realmente, aos princípios, às metas e ao espírito da ‘Declaração de Independência’. Esse espírito é o da resistência à autoridade ilegítima e às forças que privam as pessoas das suas vidas, da liberdade, e ao direito de buscar a felicidade. E, por conseguinte, sob essas condições urge restaurar todos os direitos que foram abolidos pelo governo. E a expressão é essa, ‘abolidos’. Mas para restabelecer os direitos estabelecidos na ‘Declaração da Independência’ nós temos de ir para fora da lei. Parar de obedecer as leis que mandam matar, que concentram a riqueza, que colocam as pessoas na cadeia por umas simples ofensas ‘técnicas’. E mantêm pessoas fora da cadeia tendo cometido enormes crimes. A minha esperança é que esse espírito tome lugar não somente neste país, mas também em outros países, porque eles também o necessitam. Os cidadãos de todos os países necessitam de empreender a desobediência ao estado. E isso não é uma coisa metafísica, mas algo com força e com poder. E nós precisamos de uma forma de ‘Declaração da Interdependência’ dos povos de todas as nações que lutam pelas mesmas coisas.

1 Entre os livros conta-se Voices of a People’s History, com Anthony Arnove. Seven Stories Press, 2004). O Cap. 20 tem como título: O Problema é a Obediência Civil;

www.updateordie.com/2014/01/11/howard-zinn-sobre-a-desobediencia-civil/

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