Ponto prévio: “É melhor viver uma vida de luta e de batalhas do que viver uma vida de mentiras e falsidade”. –Autor desconhecido
A política republicana está cheia de ambiguidades, confundindo-se às vezes com democracia, outras vezes com liberalismo, muitas vezes tomado simplesmente no seu sentido etimológico de “bem comum”. Liberalismo é uma filosofia política e moral baseada na liberdade, consentimento dos governados e igualdade perante a lei. Em política económica prega a livre iniciativa.
São vários os conceitos sobre a matéria. Os acima apontados são mais uns entre muitos que aqui e acolá expressam o pensamento dos estudiosos quando ditos, lidos, escutados em órgãos ou fóruns adequados, nos permitem saber, tomar boa nota, aprender e reflectir sobre os seus conteúdos.
Para mim, a política republicana é feita essencialmente do princípio e da opção fundamental de poder erguer-me de qualquer empurrão e não voltar a cair. É ter legitimidade de questionar, por exemplo, porque se deixa morrer pessoas de fome e de doença, e qual a necessidade de um gestor ter à sua disposição cinco ou mais carros. E porque não usa carros baratos. E ter a liberdade de dizer verdades. Que está a cada dia que passa mais provado que tudo quanto acontece de negativo no inqualificável (é repetitivo, chato mas verdadeiro) quotidiano nacional, desde a prestação de serviços à população, nomeadamente os dependentes de ministérios, de embaixadas, de governos provinciais, de municípios até chegarmos a todos os possíveis e imaginários, enfim, de tudo quanto é serviço público, tudo me revolta. Direi, complementando, que saio do sério ao ressaltar a gritante e vergonhosa ausência de um sistema de fiscalização sério e descomprometido, que acompanhe o comportamento dos cidadãos que servem o povo em geral e aqueles a quem incumbe responsabilidades de controlar e gerir a coisa pública. Uma obrigação que, em primeira instância, caberá ao segundo órgão de soberania da nossa República, a Assembleia Nacional ou se quiserem o Parlamento, se pretenderem usar designação mais pomposa, a que envaidece particularmente os cidadãos que fazem “sentada” na magna casa das leis.
Cabe ao partido com maioria de assentos no seu auditório (o glorioso e eterno MPLA) transmitir à dita nata de representantes do povo que os colocou naquela sumptuosa casa, toda ela identificada pela sigla que ostenta na lapela dos elegantes casacos, tailleurs e vestidos, os cuidados a ter, ou seja, os deveres e as responsabilidades assumidas perante a massa votante e a Nação inteira.
Por razões consabidas e que felizmente hoje já são do domínio de grande parte da população angolana (da vulgar vendedora de rua ao mais sabido gerente, agricultor ou servente, todo o angolano tem plena noção das enormes responsabilidades que cabem a esses nossos concidadãos), eles têm falhado clamorosamente nesse particular aspecto. Não tem sido uma boa imagem, longe dela, a que tem sido mostrada à população desde a data que deveria ter marcado a nossa partida para uma nova vida. Desde que foi implantado o regime multipartidário no nosso país. Foi mesmo a partir dessa data que logo ficou à vista desarmada que não se dava a atenção devida à prática fundamental que nos levaria a sonhar com um breve futuro que nos permitiria realmente o exercício pleno da democracia.
Nas condições em que vivemos, nitidamente de fingida legalidade, com uma frágil actuação do Tribunal de Contas (calculo as dificuldades que os funcionários enfrentam para executar correctamente a sua missão), com redes criminosas em actuação nos diversos órgãos do Estado (e isto, mais uma vez e por muito que nos custe, não pode ser negado), fica complicado e torna-se quase bizarro falar-se de um Estado Democrático e de Direito em Angola. Pela simples razão de os sinais que vêm de certos sectores da governação nos darem a legitimidade de pensarmos apenas naquilo que nos é dado a observar. Um sistema totalitário, arrogante, policial, que não aceita qualquer crítica, gastador e, claramente distante das regras e dos princípios da democracia, o que, convenhamos, não nos dignifica em nada.
Sabemos bem que à fiscalização incumbe controlar as actividades do Estado para se confirmar junto da população que tudo o que fazem está submetido aos princípios de legalidade e eficiência a que constitucionalmente se sujeitam. É desta matéria que rezam os canhenhos que lhes dizem respeito. Mas, a realidade mostra-nos que não conseguimos atingir o cume da escadaria que ousamos subir com os nossos titubeantes passos. Estamos provavelmente, por via de várias escorregadelas, umas permitidas e outras claramente armadilhadas, no primeiro degrau da grande escadaria da democracia que, mentirosamente, divulgamos aos quatro ventos sermos capazes de construir.
É do conhecimento da população, e disso dão muitas vezes conta as peças jornalísticas dos diversos profissionais, comentaristas e a generalidade dos órgãos de comunicação (os que não estão agrilhoados pelo ferrolho da censura), que a função fiscalizadora não deve nem pode ficar nas mãos do governo, uma vez que o controlo da coisa pública deve ser realizado por cidadãos competentes e honestos, isentos e adeptos do politicamente correcto, exactamente por aqueles que deveriam incluir a larga maioria que nos representa na Assembleia e que infelizmente não nos dá mostras de o quererem ou poder fazer. Na verdade, não se verifica grande apetência de desenvolver acções de fiscalização sobre os gestos e as actividades desenvolvidas pelos órgãos e membros da mesma família política (a fuga à constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs –, é por demais flagrante).
Advém desta falta de coragem política toda uma série de problemas que colocam em causa perante o povo, quer a seriedade do partido maioritário, quer a dos membros do governo, criando, desde logo, um clima de desconfiança que emperra um bom andamento para a harmonia, reconciliação e desenvolvimento da sociedade.
Fere vários princípios, inclusivamente a problemática da corrupção que foi usada como bandeira pelo Presidente João Lourenço, valendo-lhe uma popularidade enorme, o encher de esperança a alma de milhões de angolanos que, começam uns e já estão outros, a sentir-se naturalmente frustrados. Um povo frustrado, confrontado diariamente com dirigentes sem ética e moral não é fácil de ser governado. A conversa que se estabelece entre dirigentes e entre eles e o povo, é a mesma de sempre, básica, sofrível, sem soluções. “Estamos a trabalhar”, é o estafado argumento esgrimido por quase todos eles. Enquanto isso, em termos práticos, a mostra do seu trabalho é bola, um nada absoluto, não é efectivo nem tem credibilidade.
Dito isto, mais me convenço que só a coragem política de desmantelar a máquina partidária que enxameia e diminui a estrutura governamental, poderá fazer ganhar a confiança da população e colocar o país na linha. Mas, convenhamos, só um milagre levaria a essa situação de dignidade e amor patriótico. Enquanto esperamos por tal milagre, resta-nos aguardar que o país se mantenha de pé e que consigamos continuar com o nosso combate de denúncia do que anda mal.
Melhores cumprimentos e votos de boa saúde a todos amigos e compatriotas. Até domingo, à hora do matabicho.
Lisboa, 27 de Novembro de 2021
Jacques no seu melhor.
Aqui é a Mariana De Oliveira, gostei muito do seu artigo
tem muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.