A revolta de Soraya Silva, uma das lesadas do projecto imobiliário dos Jardins do Éden

Em 2009, José Ferreira Ramos assinou com a cidadã Soraya Silva um contrato-promessa de construção de uma moradia no empreendimento Jardins do Éden (Ridge Solutions), ao Camama. Soraya Silva honrou com a sua parte, solicitando ao banco onde trabalha um crédito habitacional, no valor de USD 209.000,00. Desafortunadamente, 16 anos passados, José Ferreira Ramos é incapaz de cumprir a sua parte. Soraya Silva, mãe de três filhos, depois de tantos anos de trabalho, ainda paga renda. E quando for aposentada, vai ter de arranjar um dinheiro extra para poder continuar a pagar a dívida ao banco, no valor de kz. 833.867,61 e cujo vencimento se completa em 2041.
Soraya Silva entrou com um processo no Tribunal Cível e obteve a sentença a seu favor. “No entanto, José Ferreira Ramos alega que não tem dinheiro para indemnizar a lesada”, explica. “Ora, se a referida residência nunca chegou a ser construída, para onde é que José Ramos transferiu os valores postos na conta da Jardins do Éden? A que fim é que os destinou?”
O Tribunal Cível nem sequer se dá ao trabalho de investigar. O que consta nos bastidores é que o patrão do empreendimento desfez-se de todos os bens que tinha em Angola, e está radicado no Dubai. Em Angola já não tem nada! O Tribunal podia, ao menos, solicitar aos bancos os extractos das contas da imobiliária, para apurar para onde foi o dinheiro ganho com tanto suor por uma mãe trabalhadora! Mas o Tribunal Cível parece que está numa crise interna de burocracia ou de outra índole, porque, a cidadã lesada esteve há dias nos balcões da referida instância judicial e o seu processo desapareceu dos arquivos. Perante os factos, Soraya Silva entrou num estado de quase desespero. “O Senhor José Ferreira Ramos roubou a minha vida, aniquilou todo o trabalho da minha vida, não tenho casa própria, nem direito à reforma”, desabafa a lesada.

SUBTERFÚGIOS
A imobiliária Jardins do Éden, pertencente ao Grupo Ridge Solutions, detida por José Ferreira Ramos, invocou o facto de os populares terem ocupado ilegalmente algumas áreas dos projectos destinadas à construção. Ora, essa é uma desculpa de mau pagador. É um subterfúgio que não colhe. E não colhe, porque, simplesmente, não houve informação regular por escrito, como manda o Código Comercial, à parte lesada pelo incumprimento. Por outra, tomar como bode expiatório os populares que ocuparam os terrenos, é um meio de camuflar a verdadeira natureza da apropriação dos fundos, que é o enriquecimento sem causa, a não ser que o promitente vendedor prove que esses fundos entregues pelos clientes estão no banco a aguardar pela devolução das terras ocupadas. E, neste caso, a Jardins do Éden, não tendo construído no prazo determinado, ou depois de 16 anos (que é muito tempo), tem a obrigação de devolver essas quantias aos clientes, sem mais nem menos, principalmente quando o Executivo abriu a possibilidade de o cidadão adquirir casas a um preço não inflacionado. É que, tendo já construído milhares de habitações, a Jardins do Éden tem de ter, no fundo social, no banco, algum dinheiro. E, tendo construído milhares de casas, terá havido lucros não de milhares, mas de milhões de dólares. Ora, se a sociedade alega não ter fundos para reembolsar os clientes lesados, então aí há gato, com certeza.
UM ENORME GATO
E o gato é grande. Senão vejamos. Em 2010, o grupo Ridge Solutions, fundado por José Ferreira Ramos, que detinha 90% do capital (os restantes 10% pertencem a um outro empresário angolano do qual apenas se sabe que é um antigo quadro dos petróleos), já possuía activos avaliados em cerca de 15 mil milhões de dólares, presente em Angola, no Dubai, Abu Dhabi, Hong-Kong, Pequim, Luxemburgo e Lisboa em actividades tão díspares quanto os serviços financeiros, imobiliário, agricultura, indústria e a construção de infra-estruturas. A título pessoal, José Ramos declarou à revista EXAME que possuía uma colecção de relógios de luxo avaliada em milhões de dólares, dois iates, uma aeronave, um jacto particular e uma valiosa colecção de automóveis onde pontificavam dois Rolls-Royce.
Na primeira fase da internacionalização, o grupo criou a RS InternationalHoldings, no Dubai, e depois, com parceiros chineses, a RS China-Africa em Hong-Kong e Angola. A Emirates Ridge Solutions Contracting, com sede em Abu Dhabi, foi a empresa que marcou a entrada do grupo nos grandes projectos de engenharia do Médio Oriente e África. A terceira fase da expansão internacional (através da RS Capital) passou pela criação de estruturas na Europa, dedicadas à gestão de capitais em Portugal e Luxemburgo, para além de uma consultora financeira registada nas ilhas Caimão.
Desde então, segundo o seu fundador, teve um crescimento vertiginoso de 6000%. No início, estava dividido por áreas de negócio, com ênfase nos projectos imobiliários de larga escala (que foram o core business nos primeiros cinco anos, através da RS Properties). No imobiliário, os Jardins do Éden, em Luanda-Sul, projecto iniciado em 2005, foi um dos mais emblemáticos. Desenvolveu a segunda fase do projecto, com a construção de edifícios de vários andares para uso comercial e residencial e um centro comercial de grande dimensão (Kalandula Shopping) e equipamento social. Em 2006, deu-se início ao projecto da Torre Platinium, de 19 andares no coração de Luanda. Em 2009, e também na área de Luanda, iniciou-se a construção do Novo Kitulu, projecto dirigido às diversas classes sociais e implantado numa área de 789 hectares. Ainda em Luanda, está também uma torre de 12 andares no centro da cidade (Marimba Palace) e um complexo de vivendas (Zambo Condomínios) e um hotel de cinco estrelas (Kilamba),
O ano 2008 marcou o início dos projectos industriais do grupo (através da RS Industry) com o arranque do Parque Industrial de Botomona, em Catete. O espaço de 225 hectares visava instalar indústrias pesada, média e ligeira e oferecia um centro logístico, retail park, centro empresarial, restaurante e hotel. A estreia do parque iria fazer-se com uma empresa do grupo (uma fábrica de telha e tijolo e blocos de cimento) que já estava em construção, segundo a entrevista do PCA.
O segundo grande projecto, ligado à agro-indústria, nasceu em Novembro de 2010. Tratava-se, segundo o responsável, o sul–africano Jannie Breed, do “maior projecto de aquacultura de África”. Representava um investimento de 77 milhões de dólares para gerar 1200 postos de trabalho na região do Ambriz. Em 19 de Novembro desse ano, assinou acordo com a Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP) que previa a concessão de incentivos fiscais e aduaneiros. O projecto teria uma área de produção de 1000 hectares e 6 mil toneladas de camarão-tigre, uma espécie muito apreciada pelos mercados europeus, asiático e norte-americano, onde o consumo do marisco tem vindo a crescer (só no Japão, estima-se que seja de 300 mil toneladas por ano). “O mercado interno também seria importante”, estimou Jannie Breed. A marca Camarão de Angola estaria no mercado em Agosto de 2011.
Em 2009, a RS Farming, direccionada para o desenvolvimento e gestão de projectos agrícolas, arrancou com a primeira fazenda no Huambo, estando em preparação o arranque de unidades similares em Benguela e no Bengo. No total, o grupo já terá adquirido cerca de 27 mil hectares de terra, mas o objectivo, a médio prazo, era chegar aos 500 mil hectares.
De acordo com a notícia da agência internacional REUTERS, em Maio de 2012, o Banco regional de investimento Ridge Capital, sediado no Dubai e propriedade de José Ferreira Ramos, comprou pelo valor de 100 milhões de dólares, os activos de gestão da empresa egípcia El Rashad Holding.
O Sr. José Ferreira Ramos está praticamente incomunicável, não apresenta bens sujeitos à penhora, ainda que não tivesse declarado falência.
A maior parte dos processos executivos junto do Tribunal Cível de Luanda não têm sentido os efeitos legais apropriados por incúria do Tribunal.
E AGORA?
À luz destes factos concretos e desta análise de um sector do nosso quotidiano comercial e empresarial que mais tem dado que falar na praça pública, sugerimos que o Estado, no âmbito dos três poderes (o judicial, o executivo e o legislativo), mas com acção imediata por parte do judicial, visto que há famílias a viver sem tecto próprio quando realizaram poupanças de toda uma vida e estas poupanças foram simplesmente açambarcadas por José Ferreira Ramos, desencadeie as acções necessárias com vista a defender efectivamente, do apetite voraz do empresário novo rico, aquele núcleo da sociedade merecedor de protecção especial: a Família.
Ao Estado cabe a espinhosa, mas honrosa tarefa, de “assegurar a paz e a segurança nacional” (artigo 21º, nº4, da Constituição).
Ora, a paz social depende, como sabemos todos, da paz das famílias e da estabilidade jurídica. O que se observa nos países saídos de crises duradoiras, como Angola, é que a estabilidade jurídica carece de uma alavanca poderosa para a sua efectivação. Neste caso particular do direito à habitação lesado por um marimbondo com alto poder económico, a situação exige a intervenção da mais alta instância do Executivo, que reponha a justiça violada pela Jardins do Éden, visto que, pelos meios legais (tribunal), os lesados não têm conseguido reaver os frutos do trabalho de toda uma vida. Ver tantas famílias quase sem esperança de viver na casa própria, enquanto José Ferreira Ramos se passeia entre Luanda e o Dubai, não é normal, num Estado há pouco saído do colonialismo. Ter casa, para essa Famílias, é também um dos muitos sonhos da Independência.










