
As eleições para o cadeirão da presidência do Galo Negro foram, digamos, um daqueles raros momentos em que a democracia interna resolveu fazer uma visita ao País. Não faltou nada: insatisfações, reclamações, suspensões, choros abafados nos corredores e muito peito empolado, ingredientes clássicos de qualquer disputa política com sabor angolano. No fim, tudo dentro da normalidade, uns gritam, outros suspiram, mas todos votaram.
Rafael Massanga e Adalberto Costa Júnior percorreram o País como duas caravanas rivais de evangelização partidária. À distância, era evidente quem tinha a bênção dos patriarcas do partido. ACJ surgia ladeado pelos dinossauros generais, deputados veteranos e figuras que já faziam campanha, quando ainda se escrevia com pena de galinha. Rafael, mais jovem, apoiava-se numa equipa destemida que nas redes sociais disparava indignações, como foguetes de festa mal calculada.
O domingo eleitoral começou às 09h30, no complexo Sovismo, e o XIV Congresso Ordinário decidiu sem sobressaltos. ACJ foi reeleito com uns generosos 91% dos votos, percentagem digna de quem já entra no ringue com metade da plateia a cantar victória.
No seu discurso vitorioso, recordou que vinha de “um mandato irregular”, o que, traduzido para português simples, significa, “passei seis anos a correr atrás de impugnações, mas cá estou firme como pedra da Lunda”. Falou em transparência, resiliência e condições difíceis, o cardápio completo.
O Frei José Hangalo, sempre com humor franciscano, resumiu: “A reeleição de ACJ nunca esteve em causa; o momento é que exigia um concorrente forte, e Massanga esteve à altura”.
Ámen e siga o baile.
Depois veio o jornalista Santos Vilola com as suas pimentas literárias. Liberty Tchiaca deixou a liderança do Grupo Parlamentar, passa a ser o secretário-geral, Mihaela Weba ficou de fora, e o Congresso escolheu Navita Ngolo, filha de Manuvakola, para o lugar de Liberty. Com elegância ferida, Mihaela publicou, nas redes, um recado que parecia ter aroma de cigarro esquecido no cinzeiro: “Deus vos abençoe…”
Aquele “vos” soou a bênção, murmurada entre dentes e a desligar o telemóvel logo depois.
Para completar a metamorfose, o galo da bandeira da UNITA mudará de cor, passando agora a ser branco. De pureza? De modernidade? Ou simplesmente se trocou o tinteiro e ninguém reclamou?
Enquanto isso, Isaías Samakuva estava “mbora” em Portugal, visitando a Torre do Tombo, onde revia memórias com João Soares, amigo eterno do partido e das noites quentes do Bairro Alto. Entre fotografias, cafés e saudades, felicitou ACJ como quem saúda um velho companheiro de trincheira.
Paulo Lucamba “Gato” veio depois com a sua doutrina pós-eleitoral, divergências fortalecem, a unidade é essencial, a disciplina é chave. Tudo muito bonito, agora resta saber se os militantes ouvem ou se continuam a cacarejar cada qual no seu poleiro.
E, com o Galo Negro (que passará a ser gweta) recomposto e de penas escovadas, o País vira os olhos para o outro lado da rua, o MPLA. Os angolanos e até alguns militantes do próprio partido aguardam pelo próximo Congresso, como quem espera uma novela de ‘suspense’:
Haverá renovações? Haverá afastamentos camuflados? Ou será mais um capítulo da mesma coreografia de sempre?
Após meio século no poder, o MPLA tem agora a oportunidade de provar que também sabe fazer democracia interna ou, pelo menos, ensaiá-la com convicção.










