GUERRA NA UCRÂNIA. É FÁCIL DIZER PAZ

Hoje, encontramo-nos no mesmo padrão que já vimos antes: russos e americanos conversam para chegar a um acordo, europeus e ucranianos conversam para discordar. Trump faz propostas, e os europeus fazem contrapropostas que, ao anularem as próprias propostas, se tornam inaceitáveis para o outro lado.

POR FABIO MINI*

Os planos são assuntos sérios; são a articulação de estratégias e políticas. O alegado plano de 28 pontos de Trump para a Ucrânia e o plano de 18 pontos dos europeus não são planos. Embora sejam atribuídos à mente maléfica de Putin, à mente gananciosa de Trump e a génios europeus, são meramente os produtos desajeitados, ingénuos e malfeitos da visão de algum burocrata americano ou europeu sobre algo sério: a lista de quatro ou cinco prioridades e condições que Trump e Putin acordaram no Alasca, verbalmente, mas devidamente registadas, anotadas em taquigrafia e redigidas em acta. Uma lista do que Putin sempre declarou publicamente e que Trump parecia ter compreendido. Os pontos que o próprio Putin delineou aos líderes dos países amigos da Rússia, que, entretanto, durante a guerra, aumentaram em número.

A Rússia nunca escondeu os seus interesses e princípios fundamentais em relação à Ucrânia: neutralidade, desnazificação, desmilitarização e a cedência dos territórios adquiridos através de operações militares e referendos populares. Tudo o resto nos 28+18 pontos era um disparate, mas excitava particularmente os europeus empenhados no martírio ucraniano, bem como os políticos americanos e europeus. O ex-general Kellogg e o republicano Lindsay Graham ainda incitam os ucranianos e os europeus com discursos sobre uma vitória ucraniana, e estes últimos fingem acreditar nisso, chegando ao ponto de, paradoxalmente, se comprometerem a continuar a ajudar a Ucrânia, mesmo sabendo que esta já perdeu a guerra e que essa ajuda, por si só, não será suficiente para inverter a situação.

Na prática, esta “gente” europeia que incita à guerra está a comportar-se em relação à Ucrânia como o lendário Aquiles, que continuou a abusar da amazona Pentesileia mesmo após a sua morte. Por outro lado, as virgens (por assim dizer) Amazonas europeias, incluindo a Ucrânia, a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha e toda a horda de belicistas que rondam os corredores da União Europeia, da OTAN e de vários governos nacionais, incluindo a Itália, brandem as espadas contra o Aquiles russo, ansiosas por serem violadas até à morte. 

Hoje, encontramo-nos no mesmo padrão que já vimos antes: russos e americanos conversam para chegar a um acordo, europeus e ucranianos conversam para discordar. Trump faz propostas, e os europeus fazem contrapropostas que, ao anularem as próprias propostas, se tornam inaceitáveis para o outro lado. Tudo isto apenas para poder alegar que a Rússia não quer a paz e transferir para ela a culpa do fracasso. Um jogo terrivelmente infantil, mas que resulta porque Trump recua sempre e adopta a linha macabra dos europeus e da Ucrânia. No Alasca, foi o próprio Trump a propor uma solução a Putin. Putin aceitou considerá-la como base para um futuro plano de paz e insistiu para que a proposta fosse formalizada. Trump prometeu fazê-lo, mas isso nunca aconteceu. De facto, face aos protestos dos europeus e da própria Ucrânia, foram introduzidas novas medidas contra a Rússia, incluindo sanções secundárias aos importadores de petróleo russo, e foi equacionada a ideia de fornecer mísseis Tomahawk de longo alcance à Ucrânia. Um telefonema de Putin levou à reflexão sobre isso, e depois Kirill Dmitriev, em nome da Rússia, e Steve Witkoff, em nome dos EUA, encarregaram-se de fornecer mais pormenores. Por exemplo, a Rússia considera desnecessário e inapropriado cessar as operações militares antes de um acordo; a prioridade é a normalização das relações entre a Rússia e os EUA, ciente de que só este pré-requisito pode promover a segurança internacional. A última esperança da Ucrânia é a sobrevivência do seu próprio Estado numa forma que garanta a paz na Europa. 

Outro pormenor é a pressa de Trump em concluir e/ou viabilizar um acordo antes que a russofobia e a eurofobia americanas o afastem do poder. Afinal, os russos não têm pressa em facilitar a perda do que conquistaram no terreno. Os americanos não precisam de notas russas para compreender a situação na Ucrânia. Durante 11 anos, monitorizaram a situação, assegurando que os seus líderes cumpriam as suas promessas e pagavam por elas; durante 10 anos, geriram a guerra por procuração contra Moscovo e, durante três anos, dirigiram também as operações terrestres. A derrota ucraniana é essencialmente a sua derrota, que Trump tenta desesperadamente transferir para o governo de Biden, apesar de saber que é da responsabilidade de toda a América, representada por aqueles que confiaram unicamente no uso da força para manter a hegemonia global. É a política americana dos últimos trinta anos que tem vindo a ser derrotada. E nem os Democratas, nem os Republicanos estão dispostos a reconhecer isso, independentemente do que Trump diga ou faça. A Ucrânia está a perder cada vez mais território, recursos e motivação a cada dia que passa, e não foi ontem que os americanos começaram a auditar as suas contas e a corrupção relacionada: foi já há dois anos.

27.11.2025

*General, ex-Chefe do Estado-Maior do Comando Sul da Europa da OTAN e Comandante da Missão Internacional no Kosovo, KFOR (2002/2003).

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