QUEM VANDALIZA O QUÊ?

Com uma gestão responsável dos vastos recursos de que dispõe o território de Angola, priorizando o desenvolvimento do capital humano, promovendo capital social, respeitando as diferenças e integrando os diversos grupos sociais constituintes da nossa sociedade, não haveria sequer necessidade de leis sobre a vandalização, porque uma sociedade educada respeita o bem comum, assume o cuidado dos bens públicos!

CESALTINA ABREU

Ontem, 12 de Julho de 2024, terá sido aprovada pela assembleia de partidos – o simulacro de Assembleia de Todos os Angolanos – “a pena máxima de 25 anos por actos de vandalismo contra bens e serviços públicos, devido aos elevados prejuízos causados ao Estado” (1).

Assumo que, no seu pleno estado de sanidade mental, ninguém se manifestaria contra a necessidade de preservar o património público, pertença de todos. A minha nota vai no sentido de, como habitualmente faço, questionar os sentidos atribuídos aos conceitos mobilizados na notícia veiculada. Houve o cuidado de definir bem o que é “vandalismo” contra bens e serviços públicos?… igualmente importante, qual o sentido de Estado mobilizado nessa decisão? Seria importante uma reflexão sobre o entendimento de Estado, uma vez que os prejuízos desse vandalismo são considerados como sendo ‘do Estado’.

Muitas vezes mobilizado como algo abstracto, o Estado é um produto específico de uma sociedade, da sua evolução, da sua história, da sua realidade concreta. É uma emanação das sociedades, que à medida que se expandiam e complexificavam-se, precisavam garantir a soberania, a segurança e a ordem pública, o exercício da justiça e a função de redistribuição entre os seus integrantes. Num dado território, integram-no o soberano – o povo -, e as instituições de legislação, de implementação e de fiscalização (os 3 poderes), bem como os órgãos de defesa e segurança (exército e polícia).

Então, se por um lado, o Estado é o responsável pela organização e o controlo social porque detém o monopólio legítimo do uso da força, através do exercício da coerção, principalmente a legal, é também responsável por se dotar de instituições que efectivem os seus papéis de regulador, fiscalizador e prestador de serviços, e por adoptar boas práticas de governação. Acima de tudo, é o responsável pela criação de condições que conduzam ao progresso e bem-estar social dos seus cidadãos.

Isto significa que se pode questionar se, o que os poderes instituídos não têm feito para desenvolver o potencial humano do país, para construir a paz social, para preservar o ambiente, para promover a produção sustentável e a distribuição de bens de consumo, para construir de maneira inclusiva, participativa, uma memória colectiva de um passado em que nos reconheçamos e que nos permita perspectivar um Futuro comum, entre tantas outras atribuições que lhe são inerentes… não pode ser considerado de significativamente prejudicial para o povo, os cidadãos, a quem esse Estado deveria servir? Mais, quem tem contribuído para uma imagem de Angola como um Estado que é uma falácia, um simulacro? Isso não é vandalizar o passado, o presente e o futuro? Qual a pena aplicável para quem “vandaliza” a infância, o futuro deste país, desrespeitando os direitos fundamentais à alimentação, à educação, à saúde, a um ambiente saudável, para citar apenas os básicos à sobrevivência, mas não esquecendo a liberdade de pensar, de se expressar, de agir? Qual a pena aplicável a quem destrói a esperança legítima a uma vida digna?

O que atingiu o apogeu foi o desrespeito, o descaso, a sem-vergonhice dos poderes instituídos em relação ao povo angolano; uns porque fingem que legislam, os ‘próprios’ porque provocam o descalabro despudoradamente, servindo-se em lugar de servirem o povo, e os outros porque fazem de cegos, surdos e mudos, aguardando as ordens superiores….

Com uma gestão responsável dos vastos recursos de que dispõe o território de Angola, priorizando o desenvolvimento do capital humano, promovendo capital social, respeitando as diferenças e integrando os diversos grupos sociais constituintes da nossa sociedade, não haveria sequer necessidade de leis como esta, porque uma sociedade educada respeita o bem comum, assume o cuidado dos bens públicos!

Mas nós, cidadãos, também temos de nos consciencializar que permanecendo em silêncio, com medo, omitindo-nos de denunciar os mal-feitos que nos afectam a todos, estamos a ser cúmplices da delapidação dos recursos que deveriam servir para criar as condições e as oportunidades para todos. Precisamos “acordar” mesmo sabendo que não estamos a dormir, vencer os medos e usar os meios ao nosso alcance para pacificamente, mas com toda a nossa garra e vontade de vencer, exercermos a nossa cidadania, lutando por uma sociedade justa e inclusiva, da qual todos nos sintamos parte e que nos pertença, e de onde ninguém sinta necessidade de sair para procurar melhores condições de vida algures!

Lembremo-nos: sociedade muda, não muda!

Quo Vadis minha Angola?

13 Julho 2024

1 Jornal de Angola. “Deputados defendem pena de 25 anos para actos de vandalismo”. 12-07-2024

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