Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
(Paulo Vanzolini/Samba imortalizado por Ataulfo Alves)
1-O nosso PR incentiva o consumo de bens alimentares produzidos no país. Passou à obrigatoriedade, por decreto. Agrada saber que há trabalho e produtividade na bwala. Pressupõe a existência de meios, kumbú q.b. para acção consequente. A sociedade mexe! Falta apenas o resto. Gente capaz de fazer coisas bem-feitas. Mesmo que pareça despropositado, convém exigir-se à gente engajada nisso, que seja patriota, educada, corajosa e, importante, que tenha capacidade de pedir desculpa e aceitar o outro. Se acontecer, tudo bem. Faltará depois pensar em regras de semear, de adquirir e distribuir, encher os mercados de cidades, vilas e sanzalas, vender barato. Para se ter a veleidade de exportar, há sim produtos exportáveis, para se fazer dinheiro. Porém, faltam estradas e transportes. Há quanto tempo se fala disso? Ah! As terras mal distribuídas. Onde está a agricultura familiar? Pois é, os terrenos mal entregues. Um mais, do habitual manancial de problemas! E a inflação, e a estabilidade cambial, e o mercado, e o IVA sobre os alimentos, e a dívida? Resumindo, governar é complicado. Implica conhecimento, capacidade organizativa, muito trabalho, moral para ganhar as populações com políticas saudáveis; praticadas por cidadãos honestos, transparentes, promotores da fácil integração. Para se governar bem, funcionários honestos precisam-se. De cima abaixo. Mas bem formados, para fazerem boas equipas no controlo de negócios públicos, da aplicação de preços e sobretudo da fiscalização das pessoas que se envolvem neles. Distantes das famigeradas mixas. Enfim, pessoal que preste contas à sociedade!
Entretanto, para que as coisas batam certo é necessário esclarecer, dialogar, incentivar, escrever e falar nos órgãos à disposição (para quando este saudável hábito?) informar de modo claro, para que a populaça, a dona do voto, deixe de perguntar, “como chegamos a este estado de coisas?”
O nosso PR fala de vida melhor. Aplaudo vivamente a intenção, mas tem dificuldade de pegar em assuntos delicados, não os aborda publicamente. Apesar de fundamentais para a tal felicidade deixar de ser sonho. Que me lembre, nunca o ouvi falar claro da actualização das pensões miseráveis dos reformados, da (apesar de remota) possibilidade de implantação de subsídios de desemprego (sonho de pobre num país rico e miserável), da reparação das irrisórias prestações do Kwenda, da ansiada melhoria dos serviços de saúde públicos (tanta lacuna com tanta estrutura criada!). Da escola, da educação e cultura, fundamentais e maltratadas, não é preciso dizer mais nada. E ainda, a (re) integração social da juventude transviada. Também uma pausazinha nos projectos megalómanos.
Para o modelo funcionar, há que eliminar gastos supérfluos. Gerir a abundância nunca foi tarefa fácil! Depois, avançar para as autarquias locais sem aumentos. Sem medo. Afinal quem tem medo de Virgínia Wolf? Facilitar a despartidarização (palavra complicada, difícil de escrever e muito mais de aplicar) do aparelho do Estado e estabelecer um regime onde se encaixe sem vergonha a senhora dona Democracia. A tal que é capaz de nos fazer todos iguais e resolver muitas das nossas makas. Mas é aí que reside o grande busílis! Por tudo quanto fica dito, torna-se necessário termos em campo (perdoem a analogia), bons e corajosos pegadores, tipo forcados, com peito alto e pulso forte, para agarrar pelos cornos, qual toiro enraivecido, este grande país chamado Angola.
2-Observei no outro sábado que passou, no Dia do Aeroporto Novo, os sorrisos rasgados nos rostos engajados no grande acontecimento. O maior, melhor e mais mediático de sempre! E não sei porquê, recordei idênticas expressões quando se inauguraram os estádios de futebol do CAN 2010. Os mesmos discursos bonitos e as mesmas maravilhas ditas. Incomparáveis em relação ao AIAN, todavia. Na época eram estádios fabulosos, modernos, belos, únicos. Reuniam quesitos para superar os melhores de África. Fala- se agora com o mesmo entusiasmo, a mesma ênfase do discurso, do Novo Aeroporto. Corre dinheiro farto nas artérias do gigante implantado. Há interesses em jogo neste empreendimento. Ali, naquele campo inacabado de Icolo e Bengo, não se jogam futebóis de sanzala.
Que os pessimistas (uma minoria irritante), estejam enganados no exame que fazem dele, declaradamente negativista. Um descarado bota-abaixo sem sentido. Entretanto, preocupa o comportamento que tolda o pensamento de certas pessoas. Notado em pormenores que saltam à vista. Será verdade que o enorme mural pintado em área destacada, é obra de chineses? Esqueceram-se dos artistas nacionais? Ou não será assim? No meio de todas as dúvidas (que importância tem a cultura, afinal de contas?), há outra, a mais preocupante, a sobressair. A de que uma obra de tão elevado investimento (sinto tonturas ao ouvir falar dos números), não venha a ter o fim da maioria desses Estádios mencionados acima, de onde, pelo menos num deles e à vista de quem quis ver, foi desviado um gerador de grande potência para servir a quinta de um poderoso. Uma Excelência qualquer. Aconteceu num desses estádios (quatro ou cinco) onde na maior parte deles, não conseguiram sequer manter a relva viva. Está visto que com esse tipo de pessoas no comando de certos cargos, tristeza não tem fim!
E assim caminhamos nos trilhos da nossa infelicidade. À espera de dias melhores, sempremente. Nosso nome é paciência, cantou Matadidi Mário. Despeço-me aqui dos meus amigos e fiéis leitores. Até domingo à hora do matabicho.
Lisboa, 26 de Novembro de 2023