O Tribunal Penal Internacional não é para todos. “Quid Juris”?

O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu sexta-feira (17) um mandado de captura sobre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, acusando-o de crimes de guerra na Ucrânia. Mas, o TPI não é para todos.

Por Maria Luísa Abrantes*

Um ano após a deposição das ratificações dos 60 primeiros países  signatários do Tratado de Roma, a 1 de Julho de 2002, o mesmo entrou em vigor, com a criação de um Tribunal  Internacional permanente. O TPI (Tribunal Penal Internacional), não tem apenas uma jurisdição temporária “had hoc”  , como os anteriores, impulsionados pelos Estados Unidos para julgamentos de casos de crimes de guerra específicos. 

O TPI  tem  jurisdição para julgar pessoas singulares, incluindo líderes políticos em exercício e militares, que se comprove terem cometido crimes de guerra, visando a cooperação entre países, para a salvaguarda dos direitos humanos.

Acontece que os Estados Unidos da América opõe-se ao TPI. Ainda que durante a Conferência de Roma de 1998, na qual foi decidida a criação do TPI, a delegação dos Estados Unidos de América tenha sido a mais numerosa e a que mais emendas introduziu no texto, votou contra o Estatuto de Roma e por consequência, contra o estabelecimento do TPI. Todavia, posteriormente, a 31 de Dezembro de 2000, o Presidente Clinton, aparentemente recuou na posição anterior e assinou o Estatuto de Roma, depreendendo-se que para ganhar tempo, porque o mesmo não foi ratificado pelo Senado .  

O Presidente George W. Bush, que o sucedeu, defendeu que o TPI era uma ameaça à soberania dos EUA e à segurança dos militares americanos em missões internacionais e assinou a “ASPA – American Service Member’s Protection Act “, que proíbe a cooperação com o TPI e autoriza a impedir por todos os meios, o julgamento de cidadãos nacionais por essa instituição, em violação ao direito internacional .

A ASPA proíbe a assistência militar à maior parte dos estados que tenham ratificado o Tratado de Roma, à excepção das acções de interesse nacional, analisadas caso a caso pelo Presidente. 

Até ao dia 1 de Junho de 2002, data da apresentação das primeiras 60 ratificações ao Tratado de Roma, os Estados Unidos já tinham conseguido que 37 países celebrassem acordos unilaterais e/ou bilaterais de imunidade à jurisdição do futuro TPI com eles. Nesses acordos, os outros países comprometeram-se a não entregar nenhum cidadão americano ao TPI, incluindo militares que tivessem cometido crimes de guerra. 

Um dos meios de persuasão dos EUA, é de que os países que não celebrem acordos bilaterais com eles, comprometendo-se a não entregar ao TPI nenhum cidadão americano acusado de crimes de guerra, não podem ter a possibilidade de solicitar apoio militar americano. 

Ao nível da pressão à comunidade internacional, antes da aprovação do Tratado de Roma, durante uma sessão do Conselho de Segurança Nacional das Nações Unidas, os EUA ameaçaram vetar futuras missões de paz das Nações Unidas, caso os seus cidadãos não gozassem de  garantias formais de imunidade do TPI, aprovadas pelo Conselho. Embora não tenham conseguido a garantia formal de imunidade exclusiva pretendida  para os seus cidadãos que cometessem crimes de guerra , conseguiram a aprovação da Resolução 1422, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que retira a jurisdição do TPI, sobre todos os cidadãos dos países não signatários da Estatuto de Roma, envolvidos em missões da ONU. 

Quer dizer que os membros da ONU podem cometer crimes de guerra impunemente, porque estão protegidos pela Resolução 1422.

Numa decisão sem precedentes, a administração americana solicitou a anulação da assinatura do Tratado de Roma.

Mas a Rússia também não é signatária do Tratado de Roma, estando, todavia, os seus cidadãos acusados pelo TPI mais expostos, como acontece agora ao Presidente Putin, se passarem em terceiros países, o que em poucos casos acontecerá aos cidadãos americanos, que possam também ser acusados, como já aconteceu ao Presidente Bush (filho). 

Os EUA invocaram não terem ratificado o Estatuto de Roma, a coberto do artigo 98.º (Cooperação relativa à renúncia, à imunidade e ao consentimento na entrega). Essa posição é rebatida pela Coligação Internacional das Organizações não Governamentais e por proeminentes acadêmicos , que defendem que:

i. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, estabelece no artigo 31.º, que “um tratado deve ser interpretado de boa fé …… em seu contexto e à luz do seu objectivo e finalidade”. Não deve ser legal, porque não parece eivado de boa fé, determinado país assinar um tratado internacional multilateral, para “a posteriori” assinar acordos bilaterais, que contrariam o cumprimento do objecto e finalidade de uma convenção internacional anterior, de que as partes foram signatárias; 

ii. A Resolução 1422 do Conselho de Segurança das Nações Unidas viola o Tratado de Roma, porque altera o Estatuto do TPI e contraria o artigo 16.º do referido Tratado;

iii. A Resolução 1422 constitui um precedente negativo, possibilitando que o Conselho de Segurança das Nações Unidas proceda a futuras alterações de convenções internacionais, desvirtuando o seu objecto e finalmente e descredibilizando as já débeis organizações da ONU;

Nos acordos unilaterais, os cidadãos dos países signatários podem ser entregues ao TPI pelos EUA, mas os cidadãos americanos não poderão ser entregues por aqueles Estados no seu território. 

Nos acordos bilaterais, a proibição de entrega de cidadãos ao TPI é recíproca. Para além do Canadá, opuseram-se à posição dos EUA, a Suíça a Noruega e o Japão. 

No caso de Angola, JES resistiu por mais de 6 anos a assinar o acordo bilateral com os EUA , mas o acordo acabou por ser celebrado e anunciado a 4 de Maio de 2005. Angola foi o 100.º  país a celebrar tal acordo com aquele pais. 

Já agora, gostaria de saber se o acordo foi bilateral ou unilateral.

*Consultora Internacional, doutorada em Direito Económico e Financeiro com Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas e pós-graduações em Finanças Internacionais, Negócios, Liderança, Negociação de Contratos Petrolíferos e Direito Económico Internacional

Angola assina protocolo para livrar norte-americanos de processos perante o TPI

Angola tornou-se o centésimo país a concluir um acordo que livra os cidadãos norte-americanos de eventuais processos perante o Tribunal penal internacional (TPI), segundo anuncio feito hoje pelo Departamento de Estado norte-americano.

O acordo em referência a uma cláusula (“artigo 98”), do tratado que institui o TPI permite aos países celebrarem acordos bilaterais derrogatórios, tal como indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros norte-americano em comunicado.

Os Estados Unidos iniciaram há anos uma vasta campanha para retirar os seus cidadãos civis e militares da jurisdição do TPI, um tribunal internacional encarregado de julgar os crimes de guerra ou contra a Humanidade, na Haia (Holanda).

Washington não reconhece o TPI, considerando, nomeadamente, que se trata de uma instância supra-nacional susceptível de ser politizada e de julgar soldados norte-americanos envolvidos em operações externas.

Os Estados Unidos tentaram recentemente opor-se a que o TPI seja competente para julgar os crimes cometidos na região do Darfur (ocidente do Sudão), apesar de a administração Bush qualificar a situação de “genocídio”.

O governo norte-americano, vivamente criticado pelos europeus, em particular, aceitou finalmente no final de Março, na ONU, deixar de pôr obstáculos a que este tribunal possa julgar as pessoas implicados nos crimes no Darfur, salvo se forem norte-americanos.

Lusa

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