
Angola está a ser transformada num gigantesco matadouro a céu aberto, onde a vida animal se dissipa em sangria lenta e vergonhosa. A fauna que outrora reinou soberana, hoje agoniza entre estampidos furtivos e silêncios cúmplices.
A caça furtiva ameaça a própria existência da palanca-negra gigante, símbolo maior da pátria, orgulho que o mundo admira e que deixamos tombar como se nada valesse. O garimpo, a destruição do ‘habitat’ e a fome material e moral empurram-nos para um precipício ecológico de onde não haverá retorno.
O alerta mais recente ecoou pela voz de Marito Kacongo, lobitanga de alma verde, que, na sua página no Facebook, clamou contra um País surdo e indiferente. Marito Kacongo, para além da vida empresarial, é amante de desportos radicais e das aventuras pelos mares bravos como a Baía dos Tigres, no Tombua, Namibe.
Por entre dunas sem fim, a uns 80 quilómetros da foz do Cunene e do extremo sul de Angola, ergue-se ou resiste uma ilha fantasmagórica. No seu interior, ainda jaz o que resta de uma povoação fundada por ousados pescadores algarvios, outrora, o mais importante centro piscatório da antiga colónia e motor do distrito de Moçâmedes, revela a história.
As ruínas semi-enterradas, erguidas desde 1865, mostram o traço de uma vila atravessada por uma única rua que servia também de pista. Abandonada em 1975, isolada, sem água potável e sem transporte, rendeu-se ao deserto. Porém, rica em peixes, tartarugas e aves que ali nidificam, a Baía ou Ilha dos Tigres permanece sagrada, árida e majestosa, arrastando-se para o risco do desaparecimento total, empurrada pelo vento e pelo abandono.
Marito e seus companheiros percorrem matas densas de Angola e da SADC movidos pela adrenalina e pelo amor ao ambiente. Planeiam cada rota como quem prepara um ritual: aventura, descanso e descoberta em justa medida para sentir a terra, ver as gentes e respirar a essência do País profundo.
Mas, voltemos, porém, à nossa fauna em agonia.
Enquanto o campo se esvazia de vida e as florestas choram sangue, os ministros tratam das suas vaidades. O da Agricultura e Florestas, Isaac dos Anjos, nem com os santos se salva. O do Turismo, Márcio Daniel, colecciona prémios de “lalalá” e inaugurações. A do Ambiente, Ana Paula de Carvalho Pereira, onde andará? Segue em absoluta irrelevância sem iniciativas, sem pulso, com dossiês vazios e um silêncio cúmplice que grita incompetência.
Todos letrados, todos viajados, mas cegos para a Angola real. Lá fora saboreiam “game meat” com garfos dourados; cá dentro deixam morrer, miseravelmente, o nosso património faunístico.
Se conhecessem verdadeiramente esta terra, não suplicariam empréstimos a cada manhã. Angola tem tudo para ser destino turístico mundial, para gerar riqueza, dignidade e futuro. Deus ofereceu-nos um paraíso; falhou somente na escolha de certos pastores (péssimos gestores públicos).
A natureza não é cenário é essência, é vida. Cada nascer do sol ensina um recomeço, cada estação, renascimento. As árvores, firmes na terra e erguidas ao céu, lembram-nos que só cresce quem tem raízes e luz, as águas, no seu curso eterno, mostram-nos que viver é adaptar-se.
E o Instituto de Desenvolvimento Florestal? Criado para proteger, orientar e fiscalizar, tornou-se sombra burocrática. No papel, dotado de autoridade, na prática, uma nulidade. A fauna é estripada como nem nos anos de guerra ousou-se fazer. Falha a vigilância, falha a educação ambiental, falha o zelo pelo património natural.
Sim, é preciso sensibilizar, mas barriga vazia não ouve sermão. Contudo, a fome não pode ser desculpa para a prática de tantos crimes contra a nossa sobrevivência no futuro. Não pode tudo valer. É imperioso punir predadores humanos e, em simultâneo, conferir dignidade às comunidades para que vivam da conservação e não da destruição.
Imaginemos um País onde o camponês acolhe turistas na sua humilde casa, mostra a vida selvagem e, com esse rendimento, melhora a sua própria condição de vida. Aí, sim, conservar seria lucrar, valorizando o que é nosso. Em vez disso, desvastamos e matamos. Ou fingimos que não vemos quem o faz, enquanto outras nações amealham avultadas receitas, mostrando o que têm de belo.
Mas há gato escondido com o rabo de fora. Ao longo das estradas multiplicam-se animais abatidos ou ainda vivos, vendidos à luz do dia, sob o olhar indiferente das autoridades. Generais, ministros, comissários passam mudos, supostamente surdos, falsamente cegos. E não se pense que não reparam, muitas vezes param as viaturas topo de gama compram, acondicionam em caixas térmicas, e seguem viagem satisfeitos, cúmplices do abate que fingem não ver.
Até quando?
Não entreguemos Angola ao saque da ignorância e da ganância. Impera erguer a voz, defender o que resta, preservar o que ainda nos sobra de dignidade humana e natural.
Que não digam os nossos netos, perplexos perante o deserto: “Herdaram um paraíso, mas deixaram-nos um vazio estéril”.
*Em Benguela

Para conhecimento de quem não sabe ou ignora, existe o seguinte Decreto Executivo n.º 387/16 — que proíbe a comercialização de animais vivos ou abatidos ao longo das estradas:
Artigo 1.º
É proibido o comércio de animais vivos ou abatidos ao longo das estradas nacionais, ou terciárias em todo o Território Nacional.
Artigo 2.º
O presente Diploma visa regular a prática de actos, concernentes ao comércio de animais, a posse, o transporte, e o abate indiscriminado de espécies de animais protegidos pela Convenção de CITES e demais legislação em vigor na República de Angola.
Artigo 3.º
É proibido o transporte de animais vivos ou abatidos, constantes do Anexo I da Convenção de CITES, assim como aqueles protegidos por demais legislação em vigor na República de Angola.
Artigo 4.º
É proibida a exposição de animais vivos ou abatidos em todos os locais públicos, ou privados em todo o Território Nacional.
Artigo 5.º
As autoridades administrativas e os serviços de fiscalização dos Governos Províncias deverão realizar a apreensão dos animais vivos e devolvê-los a natureza, assim como proceder à incineração dos animais abatidos.
Artigo 6.º
As autoridades administrativas deverão lavrar um auto de ocorrência descrevendo os factos e remeter junto da Delegação do Ambiente Local.
Artigo 7.º
As dúvidas e omissões suscitadas na interpretação e aplicação do presente Diploma são resolvidas pela Ministra do Ambiente.
Artigo 8.º
O presente Diploma entra em vigor a partir da data da sua publicação.
Luanda, a 1 de Agosto de 2016.
A Ministra, Maria de Fátima Monteiro Jardim










