Deve ser retirado. E enquanto os estatutos de um partido tiverem mais força prática do que a Constituição da República, continuaremos presos ao mesmo ciclo: o da subordinação do Estado, o da fragilização da democracia e o da perpetuação de vícios que atrasam o nosso desenvolvimento.
POR: OSVALDO DE OLIVEIRA
Há momentos em que a lucidez exige coragem. E há questões que, por mais desconfortáveis que sejam, precisam ser ditas com franqueza para o nosso país avançar. Uma delas é a relação, cada vez mais indissociável, entre o partido no poder e o Estado angolano. E, na minha leitura, uma das raízes normativas desse problema encontra-se no n.º 1 do Artigo 122.º dos Estatutos do MPLA.
Esse preceito determina que qualquer militante indicado ou eleito para cargos públicos, deve exercer a sua actividade “de acordo com a orientação política do MPLA”. À primeira vista, pode parecer apenas uma regra de disciplina partidária. Mas, quando olhamos com atenção, percebemos o alcance profundo e preocupante desta imposição.
Um Estado moderno não deve funcionar como prolongamento de um partido político. A Constituição foi desenhada para separar funções, equilibrar poderes e impedir que qualquer força — por mais histórica ou influente — se sobreponha ao interesse público. Quando um estatuto partidário afirma que o titular de um cargo público deve obediência política ao partido, coloca a Constituição num segundo plano. Está a transformar o exercício do cargo em mandato partidário, e não em responsabilidade pública.
É aqui que nasce a fusão entre Partido-Estado e Estado-Partido. É aqui que se agrava a confusão entre o que é público e o que é partidário. É aqui que muitos órgãos deixam de agir como instituições da República e agem como extensões orgânicas do partido dominante. Por isso, não é por acaso que quase todos os auxiliares do titular do Poder Executivo — em vez de serem escolhidos pela sua competência, mérito ou visão — são, quase sempre, militantes ou leais ao MPLA. A norma estatutária legitima essa prática e transforma a escolha em obrigação ideológica.
E a consequência é visível: a separação de poderes esvazia-se, a independência institucional fragiliza-se, e a confiança no Estado diminui. Um juiz, um deputado, um administrador, um governante ou um gestor público não pode servir dois senhores: a Constituição e a disciplina partidária. Alguém terá de ceder — e, infelizmente, tem sido a Constituição a ceder.
Não se trata de atacar partidos. Trata-se de defender o país. Trata-se de lembrar que nenhum estatuto interno, por mais importante que seja para a vida partidária, pode subordinar o funcionamento do Estado às directrizes de um grupo político. A Constituição é clara: o Estado deve ser neutral, imparcial, plural e independente. Se um artigo partidário viola essa essência, então é inconstitucional na sua natureza e no seu efeito.
Talvez esteja na hora de encarar este tema com seriedade. Talvez tenhamos de assumir que esse artigo precisa de ser expurgado, reformulado ou, pelo menos, colocado sob o crivo da fiscalização constitucional. Não por capricho, mas porque o futuro de Angola exige instituições livres, equilibradas e verdadeiramente comprometidas com o interesse nacional.
A política passa, os partidos mudam, mas o Estado deve permanecer maior do que todos eles. E enquanto os estatutos de um partido tiverem mais força prática do que a Constituição da República, continuaremos presos ao mesmo ciclo: o da subordinação do Estado, o da fragilização da democracia e o da perpetuação de vícios que atrasam o nosso desenvolvimento.
Angola merece mais. E, sobretudo, merece um Estado que não seja militante — mas sim republicano, soberano e ao serviço de todos.










