NÃO A PAZ PODRE

MARIA LUÍSA ABRANTES 

Infelizmente é lugar-comum em Angola, fazer recair as culpas dos erros graves de nepotismo, de líderes dos partidos políticos sobre todos os seus membros. Esse comportamento leva a que por ambição política, muitos dos militantes dos referidos partidos tendam a isentar de culpa os seus líderes, mesmo quando cometem os piores erros. 

Todos sabemos que a responsabilidade é individual, ainda que seja de observar o respeito aos estatutos dos partidos, assim como das empresas. Do meu ponto de vista, há pessoas de bem em todos os partidos políticos, e que são a maioria, como pessoas do mal, que no meu entender, são uma minoria. 

Quando os líderes dos partidos políticos são déspotas por sede de poder, não partilham as benesses com a maioria. Logo, não seria justo que quando algo lhes corra mal, provocado pela sua própria maldade exacerbada, tenham que dividir as honrarias que forem concedidas a seus correligionários. Um pai que nos gera, se mata um filho porque lhe desobedeceu e não apenas em legítima defesa, não deixa de ser pai, mas não pode receber o distintivo cívico de PAI DO ANO, porque se tornou assassino.

A 4 de Abril de 2002, foi assinado um acordo de paz, num acto magnânimo de humildade do Presidente José Eduardo dos Santos. Não foi por reconhecer A ou B, uma vez que nessa altura, Savimbi já estava morto e a UNITA não tinha qualquer outra alternativa e todos aplaudimos. Aliás, eu tive família directa e tenho amigos nos três partidos, mas temos de ser verdadeiros, pois de outra forma não se trata de amizade sincera.

Para os mais jovens, gostaria de recordar, que os Acordos de Alvor foram desrespeitados durante o início do Governo de Transição, antes da independência. Por esse facto, os ministros que tinham sido indicados pelo Governo Português para ocupar os cargos acordados, nunca ocuparam tais funções. Aliás, a guerra civil entre os três partidos de libertação pós-25 de Abril deveria ser melhor contada, pois afinal, foi o povo do interior de Angola, em especial os que residiam no litoral, quem colocou o MPLA, que agora o maltrata, no poder. 

Com o devido respeito, tenho ouvido e lido com a atenção merecida as entrevistas do meu distinto colega e antigo combatente Dr. Sérgio Raimundo. Pela lei da dialética, “da discussão nasce a luz”, pelo que, permitam-me discordar do Dr. Sérgio Raimundo quando diz e repete, que a reconciliação nacional genuína só se faria com a atribuição de medalhas de heróis nacionais a mais dois assassinos sanguinários, nomeadamente Holden Roberto e Jonas Malheiros Savimbi. Estes dois líderes da UPA/FNLA e da UNITA respectivamente, ordenaram raptos, tortura, violações e a morte de populações civis inteiras. Não se tratou de morte ou rapto de militares, nem se tratou de não comutar a pena de morte num país onde essa lei existisse, o que, como defensora dos direitos humanos já é reprovável. 

Jonas Savimbi, juntou-se inclusive aos racistas sul-africanos, não se importando com a destruição de infraestruturas básicas (do país que “queria” defender, e eu diria, dirigir), como pontes, barragens hidroelétricas, etc.. Também nunca manifestou qualquer sentimento de arrependimento, com o bombardeamento de cidades com número elevado de civis, como Huambo e Bié entre outras. 

Já anteriormente, Jonas Savimbi, por sua anuência (e existem vídeos que retratam), aceitou sem os seus camaradas terem conhecimento, acordar com o Governo Português, comprovadamente, lutar contra os outros dois movimentos de libertação armados, a FNLA e o MPLA de que foi parte, porque tinha pressa de liderar. Se Holden Roberto mandou torturar e matar, Jonas Savimbi, assistia com sadismo a queimar e a enterrar vivos inclusive mulheres e crianças. Isso é a todos os títulos inaceitável e imperdoável. 

Os discursos políticos de reconciliação, visando ou não objectivos políticos por vezes populistas, não se compadecem com a realidade cruel, com a reconciliação podre entre torturados e os seus familiares, com os torturadores, assassinos e algozes. Infelizmente já está a ser feito, com a atribuição generalizada de medalhas de herói nacional a psicopatas comprovados da pior espécie, faltando apenas os dois referidos pelo meu ilustre colega, possivelmente por excesso de “bondade”. Não se trata do médico que deve salvar o paciente que assassinou o seu filho, porque o bem vida está acima de tudo. Conceder uma medalha de herói nacional é um acto político de reconhecimento e de reabilitação. Quem queima e enterra mulheres e crianças vivas, terá direito a reabilitação e ao perdão? 

Sei que vários potenciais candidatos ao cargo de Presidente da República e os seus apoiantes discordarão por populismo e, possivelmente, dirão que não se devem fazer comparações entre políticos e realidades, mas eu farei sempre até o meu último dia de vida. A Alemanha foi reunificada e não foi necessário atribuir-se a medalha de herói nacional a Adolf Hitler, o que, aliás, seria impensável, pois nem a história o absolveu

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