ELEIÇÕES NA VENEZUELA. O MESMO FILME, A CAIR DE MADURO

Não somos tão idiotas para achar que foram limpas e, muito menos, para acreditar que os Estados Unidos de Biden/Trump ou a Europa da Leyen perdem 2 minutos de vida a pensar nos venezualanos. Há uma luta pelo acesso aos recursos energéticos. Da Ucrânia à Venezuela, passando pela Bolívia e Médio Oriente.

POR TIAGO FRANCO*

Não há forma de ter a certeza sobre quem venceu as eleições na Venezuela. Não há mesmo. Os números de Maduro parecem martelados e, honestamente, os 70% da oposição ainda parecem mais. A única certeza que consigo ter, até porque as atas não chegaram a lado nenhum, é que não há nenhuma garantia sobre quem venceu. Assim sendo… não podia o PCP ter congratulado Maduro porque isso é um tiro nos pés. Nem o Partido Comunista Venezuelano felicitou Maduro que, presentemente, está longe de representar os ideias comunistas, logo, o que passou pela cabeça dos líderes do meu partido para o fazerem? E sim, antes que Cheganos, Liberais e Conservadores em geral aproveitem esta borla, no PCP há crítica e divergência de opinião.

Não existindo grandes dúvidas sobre a qualidade da democracia actualmente na Venezuela, por que razão gera este país tanto interesse na comunidade internacional? Não me interpretem mal mas há 20 anos que ouço falar na Venezuela e vejo, EUA e UE, sempre preocupados em enviar observadores “independentes”. Mesmo sem saberem resultados, aqui e ali, reconhecem opositores como líderes eleitos, dão uma ajudinha em golpes de Estado e por aí fora. Aconteceu com Guaidó na Venezuela e com aquela senhora que andava sempre com a bíblia na Bolívia (não me lembro o nome mas o Google está aí para as curvas). Isto recentemente… se formos para a história da América do Sul e Central ali a partir da década de 50, é um fartote ao nível da ingerência externa.

Nestas paragens há sempre um desejo intenso do Ocidente em garantir que a democracia funciona. Com o foco principal deste século a ser a Venezuela.

Segundo o WorldData (entre outras fontes) há cerca de 88 países identificados como ditaduras absolutas até regímes híbridos (países com alguns valores democráticos onde práticas autocráticas estão presentes).

Grosso modo, para atalharmos caminho e evitarmos adjectivos em barda, metade do mundo são países com fracos índices democráticos. Nesta lista surge obviamente a Venezuela por quem o nosso Sebastião Bugalho chora muito mas, também, o Qatar que nos fez um mundial da bola, o Azerbaijão que nos dá gás amigo, a Líbia que foi “libertada” pelo Ocidente, os Emiratos Árabes Unidos onde o Tom Cruise vai fazer filmes e vocês passam aquelas férias óptimas para o IG e claro, o meu favorito, a Arábia Saudita que há 2 ou 3 anos resolveu emitir vistos turísticos e comprar Ronaldos.

Nunca, jamais, em tempo algum, o Ocidente quis saber de eleições por estas paragens. Tal como não queria saber do caso russo (também na lista) até há 2 anos. Ah… antes que me esqueça, a Ucrânia também aparece nestes regimes. A tal Ucrânia que passou a ser como “nós”, quando os russos deixaram de ser parceiros dos EUA e da UE.

O que é que a Venezuela tem então que a Guiana, Uzbequistão, Comoros, Benin e Laos não tenham? As maiores reservas de petróleo do mundo. Tal como o lítio na Bolívia de Morales, uma riqueza incalculável no solo que daria algum jeito aos senhores do mundo. É por isso que todos ouvimos falar nas eleicões da Venezuela (e até na Bolívia), mas ninguém quer saber das monarquias sanguinárias do Médio Oriente, dos ditadores em África ou dos eternos presidentes da Ásia Central.

Alguma vez ouviram falar do estado da Líbia depois da queda de Gaddafi? Não, pois não? Não consta que a democracia lá tenha chegado mas o petróleo passou a abastecer as principais economias da UE e os EUA. Portanto… tudo bem.

E o mesmo com a Arábia Saudita e Azerbaijão. Ditaduras absolutas mas que exportam, com abundância, petróleo e gás, para os Estados Unidos e para a União Europeia da Úrsula. E como tal… o teste da democracia foi passado.

Durante anos Chávez usou os lucros do petróleo em programas sociais. Maduro parece-me ter tentado seguir em parte esse processo sem grande sucesso. De qualquer forma, é o estado que controla a prospeção e exportação. Quando a UE reconheceu Guaidó na últimas eleições como presidente da Venezuela, os EUA lançaram uma série de embargos que limitaram o transporte de petróleo para fora da Venezuela, criando mais pobreza e caos social. 

Se se derem ao trabalho de ler um pouco de história, o que hoje vemos na Venezuela não é propriamente uma originalidade dos impérios. Sempre que o candidato apoiado não vence, começa o processo de desestabilização até que as ruas façam o que a eleição não fez. O objectivo nunca é trazer democracia aos locais mas sim ter acesso aos recursos energéticos. Foi assim no Kuwait, no Iraque, na Líbia. Foi assim com a Rússia de Yeltsin e Putin. É assim agora com o Azerbaijão de Aliyev. É, desde há muito, com a família real saudita. E será sempre com quem quiser alinhar com os poderosos. Quem não quiser, bom, esses terão que sofrer as consequências da “luta impoluta pela democracia e os valores do Ocidente”. Quem não se lembra de Bush pai a dizer que iriam levar a democracia ao Kuwait? Um quintal cheio de petróleo que não faz puto de ideia o que seja uma eleição. O Chile de Allende, os Contras da Nicarágua, a Baía dos Porcos de Fidel. Há tantas e tantas histórias de influência externa em eleições que, enfim, não há como abrir a boca de espanto com a Venezuela. É a sequela de um filme mais visto que o ‘Sozinho em Casa’ nas noites de Dezembro. 

Ora isso meus amigos… mete nojo e é uma hipocrisia que não se aceita num mundo onde a informação circula. Não somos, espero, tão idiotas para achar que as eleições foram limpas e, muito menos, para acreditar que os Estados Unidos de Biden/Trump ou a Europa da Leyen perdem 2 minutos de vida a pensar nos venezualanos. Há uma luta pelo acesso aos recursos energéticos. Da Ucrânia à Venezuela, passando pela Bolívia e Médio Oriente. Ponto final.

Raramente a vida é a preto e branco e a Venezuela é um bom exemplo disso. Não se metam em barricadas ideológicas para defender qualquer um dos lados, especialmente quando todos nos mentem. Usem antes a cabeça para perceber a razão de, num mundo com mais de 80 países pouco democráticos, vocês ouvirem falar sempre nos mesmos 3 ou 4. 

Não é a democracia que preocupa os impérios ocidentais. O “nosso” drama é se alguém os ultrapassa na corrida pelo acesso e exploração de recursos energéticos e matérias primas fundamentais. Andamos nisto há séculos.

Envolto na gasta capa da democracia mas é isto, apenas. O resto é folclore e matéria de entretenimento para criar a ilusão que na vida, e na política, tudo se resume a um western de Hollywood onde, mesmo sendo estes os invasores, nos vendem os cowboys como os bons da fita.

Somos mais inteligentes do que isso. Espero.

*No Facebooc

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