E EM MAIS UM DIA DEDICADO ÀS LÍNGUAS MATERNAS…

CESALTINA ABREU                                                                                  

Não podemos esquecer que a África é a única região do mundo onde todos os ‘modelos’ a que as crianças são/estão expostas (anjos e santos, heróis, empresários e actores de cinema, etc.) não são dos seus contextos. As crianças africanas são as únicas no mundo cuja socialização começa com a aculturação, aprendendo sobre outros mundos e outras culturas numa língua estrangeira.

Na Conferência Nacional sobre Ensino Primário Universal, reflectiu-se sobre como reformar o ensino para promover o bilinguismo, a descolonização do conhecimento e combater a aculturação, promoveu uma reflexão sobre estes temas e a importância de, tanto através de estratégias de influência individuais ou colectivas, pressionar os poderes instituídos e procurar induzir a vontade política necessária ao processo de construção democrática de uma identidade social colectiva numa perspectiva universal e com base em valores autóctones e de diásporas de outras latitudes que ao longo do tempo se fixaram em Angola e são angolanas.

A Constituição e alguma legislação sectorial já cria o quadro legal propício à implementação do Polilinguismo – a co-existência de duas ou mais línguas com base na articulação de dois princípios, da ‘unidade’ e da identidade, sob a forma de “Bilinguismo” em cada região, de acordo com a Língua Materna dominante, sendo o Português a língua veicular, como já assim se identificou. Complementarmente, a “descolonização do conhecimento”, como representando a necessidade de direcionar os nossos esforços de ensino e pesquisa no sentido de uma produção de conhecimento que melhor traduza, e responda à complexidade da realidade social angolana, procurando compreendê-la nos seus diversos matizes sociais e culturais, reflectir a diversidade da sua composição social e as maneiras como se relacionam o moderno e o tradicional, o formal e o informal, o público e o privado, e criar oportunidades/espaços para incluir a inovação e a criatividade nas análises e nas narrativas, dando voz e visibilidade a quem não as tem tido. 

A aculturação consiste em processos de interação entre culturas diferentes que resultarem alterações nas culturas de cada uma e nas identidades dos grupos envolvidos. Imposta pelacolonização à força da ‘baioneta e da cruz’, a dominação dos povos locais pelos colonizadores, implicou o estabelecimento de normas visando a assimilação de elementos culturais do grupo dominante por parte dos grupos dominados, resultando na adaptação forçada a novos valores, estilos e maneiras de estar. Contudo, e simultaneamente, provocou reacções contrárias sob diversas formas de resistência, entre as quais a ORALIDADE, uma das mais relevantes maneiras de preservar valores e transmiti-los de geração em geração. Em Angola, todas as designadas “línguas nacionais” não só se mantêm vivas, como influenciam a língua portuguesa aqui falada, cada vez mais enriquecida de vocábulos como “Bué”, “salo”, “matabicho”, “machimbombo”, “kazukuta”, entre inúmeros outros.

Em contextos multiculturais como Angola, as Línguas Maternas podem desempenhar um papel fundamental na operacionalização das relações interculturais para promover o reconhecimento e a valorização da diversidade como uma oportunidade e fonte de aprendizagem para todos, desenvolvendo as capacidades de comunicar e incentivar as interacções sociais, criadoras de intersubjectividades colectivas e do sentido de pertença comum à humanidade. 

A cidadania para o século XXI, mais do que praxis, activa e colectivizadora, deve contribuir para concretizar processos inclusivos de transformação das sociedades e do mundo, actuando ao nível dos processos de formação – os meios através dos quais -, e da escola – o local onde -, para nos prepararmos para viver de maneira diferente num mundo diferente, orientado e vivido para um futuro, ainda que incerto, mas que não poderá ser a projecção “deste” passado, dada a inviabilidade da continuidade do projecto da modernidade racional, liberal, individualista, produtora de desigualdade, de exclusão, de insustentabilidade!

21.02.2025

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