CRISE NA JUSTIÇA ANGOLANA

PARA SALVAR OS TRIBUNAIS ANGOLANOS É URGENTE PARAR A “TIRANIA” NA JUSTIÇA

O “tirano” da Justiça tem um nome: o presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) que tem como advogado e, ao mesmo tempo, cúmplice, o poder político perante o olhar e silêncio sepulcral de um Ministério Público instrumentalizado, a quem nos termos do artigo 186.º da Constituição, compete defender a legalidade democrática.

POR BANGULA QUEMBA*

1. A semana de 7 a 12 de Junho 2024 será marcada seguramente com a decisão do Acórdão n.º 135/20 do Tribunal Pleno e de Recurso que alegadamente “conformou” a decisão do Tribunal Constitucional proferida no Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, Acórdão n.º 883/2024, de 3 de Abril, do conhecido processo “500 milhões”.

2. Estranhamento ao ler o Acórdão do Plenário do Tribunal Supremo fls. 5043 e 5044, na questão prévia começa-se por admitir a “falta de quórum” e expressamente diz-se “(…) O processo teve de ser redistribuído e a decisão do recurso terá de ser feita pelo Plenário do Tribunal Supremo na sua composição actual (…) conforme ordenado do douto despacho exarado pelo venerando presidente do Tribunal Supremo constante a fls. 5014 a 5017 dos autos, o que não significa a realização de um novo julgamento”.

3. Na verdade, embora o Acórdão comece e termine utilizando a expressão “conformação” do ponto vista material, foi realizado um novo julgamento e não uma “conformação” da decisão do Tribunal Constitucional. 

4. Por isso, não acompanho a decisão do Plenário do Tribunal Supremo e preocupa-me a “tirania” que se instalou no Tribunal Supremo que agora se consuma com uma “crise na justiça angolana” em que estão “frente-a-frente” o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo.

5. O “tirano” da Justiça angolana tem um nome: o Presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) que tem como advogado e, ao mesmo tempo, cúmplice, o poder político perante o olhar e silêncio sepulcral de um Ministério Público instrumentalizado, a quem nos termos do artigo 186.º da Constituição, compete defender a legalidade democrática.

6. Em condições normais, num Estado de Direito e Democrático de facto, em que impera somente a supremacia da Constituição e da Lei (artigos 2.º e 6.º da CRA), a separação e interdependência de poderes (sistema de pesos e contrapesos), n.º 3 do artigo 105.º da CRA, e não a “dependência de poderes” o “tirano” da Justiça angolana há muito se teria “demitido” ou convidado a “demitir-se”, pois em menos de 7 anos, não tenho memória nem há registo de tanta banalização do Tribunal Supremo e da Justiça, transformando-se o seu presidente num verdadeiro “judas da Justiça angolana” e do Estado de Direito e Democrático. Alguns “pratos” do “menu das arbitrariedades”, que considero muito graves, falam por si. Senão, vejamos:

i) Revogou uma sentença proferida por um juiz da Comarca de Benguela, por via de um despacho administrativo; 

ii) É, publicamente, denunciado, e com provas documentais, de estar envolvido em alegadas práticas de corrupção;

iii) É, actualmente, alvo de uma acção popular promovida por um grupo de advogados da Ordem dos Advogados de Angola; 

iv) É “acusado”, pelos seus pares, de ter transformado o CSMJ em instrumento de perseguição dos juízes que pensam contrário;

v) Foi arrolado como testemunha (embora inferido), num processo de extorsão em que, alegadamente, é beneficiário final e autor mediato;

vi) Foi, alegadamente, alvo de buscas no seu gabinete de trabalho pela PGR;

vii) Há quase 5 anos que o Tribunal Supremo não cumpre a sua própria decisão de levantar a interdição de saída do país e devolver os passaportes dos arguidos do processo 500 milhões, batendo e superando o record de interdição de saída do país de 2 anos e 1 mês, aplicado pela DNIAP e que pertencia à Lídia Capepe Amões (cfr. Acórdão 384/2016, de 17 de Fevereiro, do Tribunal Constitucional);

viii) Para colocar a “cereja no topo do bolo” vem agora no Acórdão n.º 135/20, de 28 de Junho, desobedecer à decisão do Tribunal Constitucional (o Tribunal dos Direitos Humanos que decide, em última instância, sobre os direitos, liberdades, garantias fundamentais dos cidadãos angolanos), que no lugar de “conformar a decisão”, voltou a julgar duas vezes os mesmos arguidos pelos mesmos factos!

7. “Tudo visto e ponderado”, o nome que melhor se adequa a tudo isto é, sem dúvidas, “tirania na Justiça angolana”, pois a “mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Ao seu advogado, o poder político, a história do País recente não deixa dúvida: um dia poderá beber do seu próprio veneno.

8. É urgente que se faça uma verdadeira reforma da Justiça e do Direito, mas que não passe apenas por alterar as leis ou as vírgulas da lei. Só assim se evitará que aumente o “medo das pessoas sobre a justiça angolana” e a “morte definitiva do Estado de Direito e Democrático”, cuja agonia já leva décadas.  

Termino com Martin Niemoller (1933):

“Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram o meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e levaram-me; já não havia ninguém para me defender.”

Angola e os angolanos não merecem isto. Haja pelo menos vergonha e ética republicana!

*Jurista e docente da Universidade Católica de Angola

(No Facebook)

Legenda da fotografia (da redacção): Proteccionismo e relação intrigante. Quem gasta milhões de dólares do erário viajando pelo Mundo no maior luxo, com o argumento de que faz diplomacia para captar investimento, é quem protege exactamente a figura que mais dificulta a credibilidade do Estado angolano.

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