VEGETANDO POR AÍ…

Diferentes organismos do Estado, dos partidos e da sociedade na generalidade, têm um défice muito considerável na observância de procedimentos que, no contexto mais geral, podem elevar a imagem do Estado, per si já muito degradada, como consequência do desempenho da governação. E então com a agregação dos excessos de zelo e de segurança contra tudo e contra e todos, para defesa do poder que, no fundo, é quem mais mal faz, descambamos em embrulhadas de auto flagelação, no todo ou em parte, desnecessárias, como foi a retenção, no dia 13 (quinta-feira), por cerca de oito horas, dos convidados da UNITA para a conferência em Benguela. Um facto por demais desabonatóio para Angola e para o nosso Chefe, que de forma ‘sacrificada e invejável’, faz viagens por todo mundo para abrir as portas ao turismo e ao investimento, mas depois vê esse ‘esforço’ ir para o ralo, devido a implicâncias e “coisinhas da tuji”, como dizia o nosso muito querido tio Coelho, um mais-velho motorista que passou pelo Jornal de Angola nos idos anos 80, para quem no seu humor castiço, a vida começava e terminava com uma anedota e uma boa gargalhada.
Até onde vão os meus conhecimentos e a minha experiência profissional e académica no domínio de assessoria política e institucional, esse documento dirigido ao MIREX por via da senhora Isabel Paula de Carvalho, directora Geral do Protocolo de Estado, deveria ser o complemento de um primeiro, o principal e fundamental, a comunicar a direcção desse departamento ministerial, ou outros como o ministério do Interior e até a Polícia Nacional, a realização dessa conferência, os seus objectivos, local de realização e quais os participantes estrangeiros e/ou convidados. Informação básica, contudo importante, porque poderia contribuir para à tomada de decisão, mais ou menos célere. Afinal, trata-se de uma conferência de carácter internacional que envolve o nome do país e, ainda que indirectamente, algumas instituições que a representam. Mas não temos nada que nos leva a concluir que se respeitou esse princípio. Por outro lado, não se observou a antecedência aconselhável e razoável. Escrevo e terminei este texto no dia 14 as 20 horas. Só no dia 15, as 20 horas é que completa 24 horas. Simples! Os visitantes chegaram no dia 13, mas o documento dirigido ao MIREX tem a data de 11 de Março, mas só foi entregue ao secretariado do MIREX no dia 12 as 9 horas e 37 minutos. Portanto, só no dia 13 as 9 horas e 37 minutos, completou 24 horas. E sobre isso, o Regulamento sobre a Gestão e Utilização das Salas do protocolo de Estado estabelece exactamente que, esse procedimento deve ser observado num período mínimo de 24 horas, “salvo em missão especial de emergência devidamente justificada”. Não era o caso. A UNITA, como atesta o seu documento, “solicitou”, sim, mas não disse se recebeu o despacho e qual é seu conteúdo, após ter passando por todos os filtros conhecidos, conforme as práticas habituais, porque da parte do Sistema, não há nada que lhe seja facilitado.
As regras administrativas aconselham, igualmente, que após produzido esse primeiro documento (recordo que não tive acesso ao dossiê apesar de ter solicitado mais informações), é que se deveria elaborar um segundo, como anexo ou apêndice, como esse que a foto ilustra, onde a parte solicitante (a direcção da UNITA), de forma mais específica ou detalhada, faria a solicitação do tratamento protocolar para as entidades estrangeiras convidadas. E esse documento, poderia ainda anexar fotocópias de passaportes e das solicitações de vistos (normais ou especiais) no caso dos países com quem Angola não tem protocolos de isenção (não é o caso de Moçambique), para facilitar a preparação antecipada do expediente protocolar, pelos funcionários da entidade gestora das salas do Protocolo do Estado, onde se misturam técnicos do MIREX, dos Serviços de Migração e Estrangeiros, todos eles submetidos aos do SINSE, que têm sempre a última palavra.
É claro que tudo isso pode ser dispensável num país normal, limitando-se o visitante a perguntas normais da parte do funcionário dos SME, como as razões da deslocação, quanto tempo permanecerá, quem custeará as despesas e pouco mais. Mas, não é o caso de Angola, e a direcção da UNITA sabe, e bem, que Angola não é um país normal. E o que é um país normal? É aquele onde as liberdades de nacionais e estrangeiros são respeitadas, quem nele nasceu, vive ou trabalha, até prova em contrário, não é suspeito de coisa alguma porque tem opinião diferente, nem isso é considerado atentado contra as leis e a segurança do Estado. Mas, continuamos com sérias dificuldades de perceber que não é o caso de Angola.
Voltando ao caso, diz o Decreto Presidencial n.º230/11 de 23 de Agosto (ainda do tempo do Presidente José Eduardo dos Santos) que regula a gestão e utilização das salas do Protocolo do Estado (que acredito não ter sido revogado), que “beneficiam do acesso e uso da sala do Protocolo do Estado as entidades estrangeiras, representantes de Estados e organizações internacionais mediante o pagamento de uma taxa de acesso e utilização da Sala do Protocolo, a ser depositada no Cofre Geral do Estado, após prévia autorização da Direcção do Protocolo de Estado”. Essa taxa foi paga? E ela para ser paga, não precisa de se conhecer o despacho? Nisso, o Decreto é omisso, mas pode-se subentender que sim.
O Decreto Presidencial refere ainda que, “os pedidos de autorização para a utilização das Salas do Protocolo do Aeroporto Internacional (4 de Fevereiro) devem ser remetidos por escrito, com pelo menos 24 (vinte e quatro) horas de antecedência, à Direcção Geral do Protocolo do Estado”. Ora, nesse quesito, a direcção da UNITA cumpriu, mas muito em cima das margens razoáveis, porque o ofício dirigido a directora geral do Protocolo de Estado, Isabel Paula de Castro, tem, como referimos, a data de entrada no MIREX de 12.03.25, e a recepção foi confirmada pela funcionária Rosa João, as 9 horas e 37 minutos. O ofício em questão que deu entrada no dia 12, só foi rubricado por Rafael Massango Sakaita Savimbi, na condição de secretário das Relações Internacionais e Comunidades, no dia 11 de Março, para atendimento no dia 13. Nele, solicita os “bons ofícios no sentido da utilização das salas VIP de desembarque e embarque dos aeroportos internacionais 04 de Fevereiro, António Agostinho Neto e da Catumbela, nos dias 13, 15 e 16 de Março de 2023” nas 24 horas seguintes. E indica 13 nomes, mas nos dois primeiros, apenas com a referência de Ex-Presidente (Ian Seretse Khama e Andres Pastrana) e o terceiro, o Sr. (Alberto Thierry). Ex-Presidentes de que países? Não me parece que tenha sido suficientemente esclarecedor, embora hoje, por via da internet, seja fácil saber quem são essas três entidades. Mas, constando no documento, facilitaria.
Para facilitar a agilização dos procedimentos, o Decreto Presidencial estabelece ainda que “os pedidos de autorização podem ser formulados por via electrónica, podendo ser utilizados outros meios técnicos adequados com o suporte tecnológico, para celeridade na cedência das autorizações de acesso à Sala do Protocolo”. Também deixa claro, que “não se aceitam pedidos de autorização submetidos sem o cumprimento do prazo estipulado (com pelo menos 24 horas de antecedência) salvo em missão especial de emergência devidamente justificada”. Terá sido o caso? Não me pareceu. E se foi, pediu-se num prazo muito à justa.
Com base na análise desses factos, mas sobretudo no ofício com a Ref. N.º 10/SRIC/25 do Secretariado das Relações Internacionais e Comunidades da UNITA, que começa por não ser específico até em relação ao assunto (SOLICITAÇÃO de quê?), entendo que a primeira falha, começa exactamente nesse órgão da UNITA. Porque, conhecendo como funcionam os serviços de Administração do Estado e não tendo iniciado os preparativos para a realização da conferência no dia 11, deveria ter solicitado a prestação de serviços das salas do Protocolo de Estado com a devida antecedência e um dia antes, fazer a confirmação. Não o fez, por que receou o filtro do SINSE? Não vou especular sobre isso, porque esse esclarecimento compete à direcção da UNITA. Mas, devia ter deixado acontecer, para que tivesse todas as razões do seu lado não condenando ‘o crime’ que ainda não tinha sido cometido, como é hábito da parte de órgãos do Ministério do Interior e do SINSE.
De qualquer forma, o que aconteceu depois não isenta nem abona as autoridades migratórias, dependentes do ministério do Interior, ou outras que intervieram, da falta de preparo. A elas compete actuar com mais elevação, para defesa e dignificação da imagem do Estado angolano, das suas instituições e lideranças. De forma ingénua e fazendo uso do ‘trungungo’ e da arrogância habitual, ficaram sujos por uma “coisinha da tuji”. E por via delas, em menos de 24 horas, fomos, todos, colocados no mesmo saco do lixo, apesar do silêncio dos órgãos de comunicação social controlados pelo Sistema. Ficou provado, que para do exercício dela, há mais dinâmica comunicacional.
Ficou provado que passamos bem sem ela.