ATÉ TU, AGT?

JAcQUEs TOU AQUI!  

As coisas acontecem e os visados nas bocas, ficam impávidos e serenos, dando mostras de não quererem salvar a sua imagem? Fala-se de milhões de kwanzas, dos que são capazes de se transformarem rapidamente em milhões de dólares, e não se esclarece o cidadão, o contribuinte, não se protege o governante? Que raio!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

O burburinho invadiu a sala. Falava-se alto, naturalmente. A malta adora gritar. O vozeirão de Tito Lívio assustou ao proclamar, estou farto de escândalos! Olhei bem de frente o camarada, era ele mesmo, sempre no seu estilo bronco. O ar de parvo contrastava com os decibéis que mediam a sua potente voz. Foi sempre assim, a espantar-me quando nos encontramos. Olhou-me bem e quase me pediu autorização para continuar. 

      – Que raio! Um assunto de tantos milhões e o nome da Ministra das Finanças na baila, acaba assim, sem qualquer esclarecimento público? – Queria saber o meu amigo Tito Lívio.

      – Um Ministro aqui está sempre longe de qualquer suspeita, por isso não precisa de esclarecer nada – disse o Silvino da Bina, um conhecedor destas makas de dinheiros desviados que, por acaso, também estava na sala.

Eu, que os escutava calado, não queria meter-me no assunto. Mas como não gosto de ser um tipo diferente, não fiquei atrás. Porque, na verdade, sinto-me muito incomodado quando estes assuntos me chegam desta maneira, em modo tão baixo e simplório. Então as coisas acontecem e os visados nas bocas, ficam impávidos e serenos, dando mostras de não quererem salvar a sua imagem? Fala-se de milhões de kwanzas, dos que são capazes de se transformarem rapidamente em milhões de dólares, e não se esclarece o cidadão, o contribuinte, não se protege o governante? Que raio! E o burro, sou eu? Questionaria o Luís Filipe Scolari. Eu, limitar-me-ei a afirmar que está a passar-se algo na nossa terra que não entendo, ou isto não está mesmo bem. Talvez esteja pior que aquilo que eu julgava que estivesse.

Dois ou três dias antes, reagi quando a notícia começou a andar disparada nas redes sociais. Não quis acreditar. Pensei num tipo de pessoas que enchem bancos e ministérios, grandes empresas e organismos. Na sua forma de estilar com os trajos da moda e jóias expostas. Admiti que elas sempre me perturbaram. Fazem-me desconfiar. 

Em relação à malta da AGT, refiro-me à última fornada, o sentimento é idêntico. Ah! Os gloriosos rapazes dos fatos apertadinhos, das camisas finas e gravatas a condizer, dos sapatos a luzir. Que dizer então dos vestidos das raparigas, dos blazers e das perucas, dos sapatos e carteiras de marca, das suas companheiras e namoradas? E os fios e as pulseiras, os relógios, enfim, essa vaidade toda exposta? Palavra de honra, nunca pensei que fossem tão atrevidos. Porém, vestidos à maneira e amparados pelo apoio de técnicos estrangeiros, prepararam-se muito bem, dar cabo de uma infinidade de pequenas e médias empresas nacionais. A troco de um punhado de dólares, fica agora a saber-se. Parece que o fizeram com sucesso.

Rebentou o escândalo. Mas, como todos os outros, os escândalos que estoiram aqui na banda, só ganham ânimo e velocidade nos primeiros dias. Depois esmorecem, perdem fôlego e ar como balão lançado aos ventos nos festejos dos santos populares. Fica-se então com a impressão de que valores mais altos impedem que se fale mais nos casos. Arruma-se a questão. Mas será que o assunto fica esquecido? Está aqui uma boa questão. Constarão de uma lista de amnistiados na celebração dos Cinquenta Anos? O descaramento não pode ir a tanto mas, de qualquer modo, lá se vão os carros, as boas farrapeiras, os fios e relógios de marca, as namoradas. Enquanto isso, os nomes dos governantes permanecem na lama, sem que os utentes se reabilitem perante o povo.

Quando me surgem estes casos bicudos, difíceis de engolir, costumo descer às catacumbas do passado para vasculhar. Depois faço analogias com os tempos que vivemos. Desta vez fui rebuscar a era do Império Romano, do século I a.c., da Roma dos tempos de loucura e depravação, de corrupção desenfreada, de humilhação dos mais humildes, de entregar o povo às feras. Num cenário quase idêntico ao que vemos no século XXI. A mesma loucura, a mesma depravação, a mesma queda para a corrupção. A mesma miséria do povo. O século I a.c. foi tempo em que, como hoje, se distinguiam os mestres da arte do debate e do discurso mentiroso, tal como hoje, sem nada de positivo para a populaça. Foi ainda tempo de traições, iguaizinhas às conspirações palacianas de hoje em dia, em que se travam lutas bestiais para se alcançar e perpetuar o poder.

Nesse clima bárbaro, o imperador Júlio César foi vítima de uma acção concertada e acabou morrendo às mãos do seu filho adoptivo, Marcus Brutus. Até tu, Brutus? Foram as últimas palavras de Júlio César ao ser assassinado em Roma. Brutus ia à frente da turma que o assassinou no Parlamento. O maior número de facadas desferidas, pertenceu-lhe. Durante séculos, essas palavras tornaram-se míticas e foram reproduzidas em todo o mundo. Em cenas onde a confiança nas pessoas próximas era posta em causa. No caso da AGT, o desaforo da equipa que queria mudar a filosofia do imposto, acaba por guindar-se a feito idêntico à traição de Brutus. Daí não surpreender que o povo, em sentido figurado, faça sua a expressão utilizada na epígrafe desta crónica. Até tu, AGT? 

Será necessário dizer mais alguma coisa? Talvez fazer algo que nos faça recuperar, ao amigo Tito Lívio, inclusive, um pouco da confiança perdida, mas que se deve ter dos servidores públicos. Ela anda um pouco por baixo.

Apresento os habituais cumprimentos a todos os meus leitores, aos amigos, camaradas e companheiros de luta. Aguardo-vos no próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2025

E.T.- A epígrafe deste texto não é minha autoria. Usurpei-a de alguém sem ter tido o cuidado de registar o nome do seu criador. Apresento as minhas sinceras desculpas por qualquer dano causado.

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