A PIDE EM ANGOLA

POR ANASTÁCIO MUHONGO

Boa parte da velha geração que viveu sob domínio colonial já quase não se recorda desse passado, nem fez dele o exemplo do que não deveria ocorrer nem permitir no pós-independência. Que noção têm os angolanos nascidos e formados nesse percurso de quase 50 anos, da história que justificou que se recorresse às armas para libertar Angola do regime opressor? 

O que temos procurado fazer nessas nossas incursões à história, é contribuir para o entendimento do que fomos, do que somos, mas, também, dos erros que se cometeram, muitos dos quais, com a criação de instituições de defesa do Estado, que tiveram um papel aterrorizador que superou, nalguns domínios, a máquina repressora colonial. 

Nesta nova incursão à história, vamos começar por abrir o livro da PIDE, exercício que se seguirá com a descrição do que foi a DISA.

Introdução                                                                  

A PIDE, que significa Polícia Internacional e de Defesa do Estado, era a polícia internacional portuguesa encarregada de “manter a ordem” nas suas colónias e mesmo em terras de Portugal. Em Angola, a força desempenhou um papel central na supressão da dissidência e na manutenção do poder do estado colonial. A actividade da PIDE em Angola foi marcada por uma repressão e violência brutais, que marcaram profundamente a política e a sociedade da colónia. Este texto examinará a actividade da PIDE na Angola colonial, focando as suas origens, estrutura e métodos de operação.

Origens da PIDE em Angola

A PIDE foi criada em Angola em 1954, na sequência da criação da sua organização-mãe em Portugal. A ditadura portuguesa de António de Oliveira Salazar criou a PIDE como meio de manter a ordem e reprimir a dissidência nas colónias portuguesas. A PIDE tinha poderes para usar todos os meios necessários para manter o domínio colonial, incluindo tortura, detenção arbitrária e assassinatos selectivos. A organização rapidamente se tornou conhecida pela sua brutalidade e os seus agentes eram temidos pela população.

Estrutura da PIDE em Angola

A Polícia Secreta Portuguesa, ou PIDE, foi criada após a Segunda Guerra Mundial, a 22-10-1945, e existiu até 24-11-1969, tendo-lhe sucedido a DGS, Direcção Geral de Segurança. Em 1954 a organização expandiu-se para Angola, com sede em Luanda, embora date de 1956 a constituição do quadro especial do pessoal.  Foi modelada a partir da Gestapo, a polícia secreta nazi, e foi responsável por suprimir qualquer dissidência ou oposição contra o regime colonial. A PIDE foi organizada em vários ramos, incluindo inteligência,investigação e propaganda, e operada por um director e vários funcionários-chave.

Em Angola, a PIDE era chefiada por um administrador, subordinado ao Governador-Geral da colónia, mas com alguma independência de actuação no terreno. O director tinha vários subordinados, entre directores adjuntos e representantes de cada um dos três ramos. O ramo de inteligência era responsável por colectar informações sobre pessoas ou grupos considerados uma ameaça ao regime, enquanto o ramo de investigação conduzia interrogatórios, prisões e julgamentos administrativos de supostos dissidentes. A unidade de propaganda foi responsável por espalhar a propaganda pró-colonial ao público.

A PIDE em Angola estava organizada numa estrutura hierárquica, com delegações locais subordinadas a delegações regionais, que por sua vez reportavam a uma sede provincial em Luanda. Os escritórios locais contavam com agentes portugueses treinados em vigilância, interrogatório e outros métodos de manutenção do controlo colonial. Os agentes da PIDE provinham de uma variedade de experiências, incluindo militares, polícias e serviços de inteligência civis. Eles receberam poderes substanciais para conduzir as suas actividades sem medo das consequências, o que os tornou uma força poderosa em Angola.

Actividades da PIDE em Angola

Uma das principais actividades da PIDE em Angola foi o acompanhamento da população indígena.

Agentes da PIDE, colaboradores portugueses e africanos, estiveram presentes em todo o território, sendo a sua informação recolhida centralmente. Esta informação era então usada para identificar potenciais dissidentes, que seriam então alvos da PIDE para detenção, interrogatório, prisão e tortura.

Métodos de Operação

Os métodos de operação da PIDE em Angola foram caracterizados pela violência, intimidação e coerção. A organização contou com uma rede de informadores para colectar informações sobre alvos potenciais, incluindo dissidentes políticos, sindicalistas e membros de organizações nacionalistas como a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Assim que um alvo era identificado, a PIDE usava normalmente a força para extrair informações ou coagir o cumprimento. Isto incluía geralmente espancamentos, eletrocussão e outras formas de tortura.

A PIDE também fez uso de uma rede de prisões secretas e centros de detenção para manter os seus presos. Essas prisões estavam frequentemente localizadas em áreas remotas do país, tornando-as difíceis de encontrar ou aceder por observadores externos. Muitos prisioneiros foram detidos sem julgamento ou acusações e submetidos a condições desumanas, incluindo confinamento solitário, trabalho forçado e alimentação e cuidados médicos inadequados.

Nos centros de detenção secretos os prisioneiros podiam ser mantidos sem julgamento ou acesso a advogado.

O impacto das actividades da PIDE no povo de Angola foi devastador. O uso da tortura e da repressão criou uma cultura de medo e desconfiança, e muitos inocentes foram submetidos a tratamento brutal simplesmente por expressar opiniões divergentes ou por serem suspeitos de se oporem ao governo colonial. As actividades da PIDE também contribuíram para um sentimento mais amplo de ressentimento e raiva contra o governo português e a sua própria população, alimentando os movimentos de independência que acabaram por resultar no derrube do domínio colonial.

Um dos episódios mais notórios da história da PIDE em Angola foi o massacre da Baixa de Kassanje em 1961. Este foi um protesto pacífico dos camponeses locais que exigiam a devolução das suas terras confiscadas. As autoridades coloniais portuguesas responderam com força brutal e a PIDE levou a cabo um massacre em que centenas de manifestantes foram mortos. Este evento criou uma onda de indignação em Angola e tornou-se um catalisador para a luta armada pela independência.

A actuação da PIDE em Angola não se limitou apenas à repressão política.  Também tinha uma agenda económica e trabalhava em estreita colaboração com o estado colonial português para manter os interesses da classe dominante. A PIDE desempenhou um papel fundamental na exploração dos recursos naturais de Angola, nomeadamente diamantes e petróleo, que eram exportados para Portugal e outros países europeus. Este modelo económico explorador exacerbou as desigualdades sociais em Angola e ajudou a alimentar o movimento anticolonial.

Em meados da década de 1960, as actividades da PIDE em Angola tornaram-se uma fonte de indignação internacional. Grupos de direitos humanos e movimentos anticoloniais em todo o mundo perceberam a brutalidade da PIDE e começaram a pressionar o governo português para resolver o problema. Vários países africanos também se indignaram contra o governo português. Portugal respondeu instituindo uma série de medidas que continuaram a garantir a sua lei e ordem, acabando por mudar o nome da organização para DGS (Direcção Geral de Segurança), numa tentativa de branqueamento da mesma. Para reforçar o controlo da guerrilha movida pelos movimentos de libertação, a PIDE criou um exército secreto com base em nativos de Angola, os Flechas.

O legado das actividades da PIDE ainda pode ser sentido hoje, pois o país continua a lutar contra os efeitos de décadas de domínio colonial e repressão política.

Conclusão

As actividades da PIDE na Angola colonial foram profundamente prejudiciais para o povo da região. O uso de tortura, repressão e vigilância criou uma cultura de medo e frustração e contribuiu para o eventual derrube do domínio colonial. Embora o legado deste período continue a ser sentido hoje, o movimento de independência que conseguiu derrubar o domínio português representa um ponto de viragem na história de Angola e de todo o continente africano.

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