A CIDADE DO SAL E O MAR DE CONFUSÕES

SAMPAIO JÚNIOR*

Na terra das percepções, quem tem terreno é rei, e na famosa cidade do sal, na Baía Farta, em Benguela, há muitos pretendentes ao trono.

Angola possui uma costa invejável, com mais de 1.200 quilómetros de extensão, rica em terrenos ideais para a produção de sal orgânico, esse ouro branco que tempera a vida e, por vezes, o ego.

Actualmente, 16 filiados da APROSAL (Associação dos Produtores de Sal de Angola) continuam a remar contra a maré. Benguela é o epicentro da produção nacional, responsável por cerca de 180 mil toneladas anuais. Há metas ambiciosas, 240 mil em 2026 e 300 mil em 2027, se as marés políticas ajudarem.

O preço médio é de 80 dólares por tonelada, mas o país continua na cauda dos produtores africanos, perdendo terreno para a vizinha Namíbia, que, com organização e qualidade, exporta sal até para a Nigéria, tanto para o consumo humano quanto para a indústria petrolífera.

Depois de uma verdadeira luta de titãs, a APROSAL conseguiu, finalmente, que a indústria petrolífera angolana aceitasse o sal nacional. Foi suor, persistência e muito lobby, mas a vitória teve gosto de sal e sabor de glória.

A Baía Farta, que representa 80% da produção nacional, é hoje o verdadeiro santuário do sal. A paisagem impressiona com o cenário das cristalizadoras, que ao longe se parecem com lagoas retalhadas com esquadria onde a água e o sal em montes brancos se erguem como dunas cristalinas, onde atrevidos flamingos fazem poiso. Mas, por trás da beleza, há também tempestade.

Nos bastidores, cresce o mal-estar entre os produtores locais e os novos investidores asiáticos, sobretudo chineses e vietnamitas, sempre acobertados com o amparo de nacionais, que chegaram com promessas de inovação e deixaram um sabor amargo de desconfiança.

As “novas técnicas” de produção incluem o uso de plásticos. Sim… de plásticos, que deixam partículas no produto final. O Ministério das Pescas e do Mar, num raro momento de firmeza, interveio e proibiu o método.

Entretanto, a guerra de preços virou o sector de cabeça para baixo. O sal que antes era vendido a 80 dólares por tonelada pelos produtores nacionais, passou a ser vendido a 60, numa concorrência desleal provocada pela ‘turma’ asiática. “Não podemos permitir que ponham em causa a soberania nacional!”, protestou um produtor local. “Transportam o produto à noite, sem fiscalização da AGT! A bagunça é enorme!” E, de facto, é e tem consequências também na empregabilidade e no cumprimento de obrigações com entidades bancárias.

Fervem processos sobre a posse das terras verdadeiras dos salineiros em guerra. As disputas entre proprietários, as acusações cruzadas e a intervenção das autoridades, tornaram o sector mais salgado do que o próprio produto.

O Chamume, apontado como zona ideal para expansão e instalação de salineiras, antigo orgulho do Lobito virou palco e epicentro de intrigas, onde cada metro quadrado agora vale ouro.

Os chamados barões do sal, outrora senhores das marés, agora reclamam da concorrência estrangeira e da falta de ordem. E não lhes falta razão. Angola não tem laboratórios capazes de avaliar a qualidade do sal que produz, alertou o director do INADEC, Manuel Fortunato. A excepção é feita para a Calombolo, de Adérito Areias, o maior produtor, que para satisfação das suas necessidades e certificação do seu produto, montou um laboratório equipado com meios e detentor de recursos humanos com competência para realizar todo o tipo de análises. 

O jovem director do INADEC, em Benguela, intrépido e activo nas redes sociais, tem feito comunicações e denúncias públicas sobre vários temas. Daqui vai o meu voto de confiança, afinal, o sal de Benguela precisa de ser levado também para o outro lado da fronteira sul para ser avaliado. E é assim que lutamos pela soberania do país. Ou falta mais diálogo e cooperação entre os produtores?

Sim, produzimos milhares de toneladas de sal, mas não sabemos, ao certo, se é para temperar a comida ou se para ‘corroer’ a saúde. Um país que exporta petróleo, diamantes e promessas, mas não consegue testar o seu próprio sal? Intrigante, mas é o resumo dessa peça de ópera.

Enquanto isso, no Lobito, famílias inteiras continuam a produzir sal em condições precárias e perigosas para quem consome, denunciadas há anos, sem que ninguém se preocupe com o impacto ambiental nem com a saúde pública. Aquele sal continua a ser introduzido no mercado informal que assegura o pequeno comércio a retalho, o mar continua a bater e os discursos continuam a brilhar como cristais ao pôr-do-sol.

No fim, sobra a pergunta: quem está realmente a temperar quem? 

PS: Essa abordagem surge na sequência do Fórum Provincial sobre a importância da cadeia de valor da produção de sal organizado quinta-feira (16) pela Associação dos Jornalistas Económicos, em conjunto com o Clube de Imprensa de Benguela. Bem-haja a iniciativa, mas chefe Edson Santos, o clube precisa ser mais proactivo na realização de fóruns que criem valor acrescentado. Deixem as tertúlias corriqueiras, onde os directores provinciais lêem relatórios de auto-elogio. É preciso conversar com a sociedade civil, com políticos e empresários que vivem na pele mil e um problemas. Para exercício do papel de porta-voz, basta o desempenho os órgãos públicos.

* Em Benguela

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