RESPEITAR OS AMIGOS

JAcQUEs TOU AQUI!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Aceitei o convite. Nunca me negaria a participar numa homenagem ao Adolfo Maria. Por tudo quanto representa para mim. Aconteceu na sexta-feira, 31 de Outubro, e o evento integrava-se no quadro de um programa da Comissão Nacional para o Instituto Internacional da Língua Portuguesa do Ministério da Educação e da Academia Diplomática Venâncio de Moura do Ministério das Relações Exteriores. 

Com alguns pequenos ajustes, segue, para apreciação dos leitores desta coluna que não tenham tido conhecimento do encontro, nem a oportunidade de a ela assistirem, o conteúdo da comunicação que li durante a minha participação online:

“PALAVRAS SOBRE UM AMIGO

O ADOLFO MARIA”

Começo por cumprimentar os participantes desta Conferência e todos quantos assistem a ela. Muito obrigado à dra. Paula Henriques pelo convite que me fez, um obrigado que se estende às entidades que levam a cabo estes eventos sob o lema “O Escritor e a sua época”, bem integrados nas comemorações dos 50 anos da Independência de Angola. 

Há já algum tempo que me furto a participar em encontros desta natureza. Fujo das entrevistas, tento esconder a minha voz no contacto com o público. Decididamente, prefiro a palavra escrita para comunicar. Sinto outra segurança ao fazê-lo. Talvez porque o timbre da minha voz não seja o que melhor se adequa e mais me agrada. Sou fanhoso, e essa particularidade fisiológica não ajuda. Estes constrangimentos levam-me a querer esconder a minha voz. Não prevalecem, contudo, em determinadas situações, tais como a desse convite, o que me levou a ter em linha de conta a pessoa que se homenageia hoje. Portanto, não havia hipótese nenhuma de negar-me a falar nesta cerimónia. 

O que não se faz pelos amigos? Estava aí uma razão para perguntar. Pelos verdadeiros amigos deve fazer-se tudo. Não se faz tudo por alguns amigos de ocasião, mas faz-se isso e mais alguma coisa por alguém que em certa ocasião se tornou mais do que um amigo. Nestas circunstâncias, falar-se dele, no caso, do Adolfo, e dos seus predicados, é daquelas coisas que não se podem negar. Aqui, não me restrinjo à condição de amigo, porque, na verdade, Adolfo Maria personifica para mim, o confidente e o mestre improváveis. Um camarada e um conselheiro daqueles que não se dispensam, que se bendiz a hora que se conheceu e tornam ricos e valorosos todos os momentos que com ele se convive.

Adolfo Maria é um nome que, para muitos milhares de cidadãos angolanos, dispensa apresentações. Se enveredasse pela divulgação do seu currículo, estaria aqui a falar dele na base dos vulgares lugares-comuns que incluem sempre a consciência revolucionária, a integração no Movimento Popular de Libertação de Angola, o exílio, a noção de patriotismo, as agruras dos maquis, o programa radiofónico Angola Combatente, estaria, em suma, a envolver-me no repetitivo discurso em que assenta grande parte da narrativa que conforma e assinala os 50 anos da nossa Independência.

Joga a meu favor, o facto de ter sido escolhido um título apropriado para a minha comunicação, o que me conforta e deixa à vontade. Dá-me abertura suficiente para me cingir a coisas importantes da vida que se distanciam dos chavões costumeiros, que costuram a nossa luta de libertação nacional. Limitar-me-ei, por isso, a falar de um homem que circunstancialmente se tornou meu grande amigo. Um amigo que, contudo, não se fez em tão longa data assim.

Conhecido de nome, há muito, mesmo se tivermos em consideração que trinta anos já nada representam, foi relativamente há pouco tempo que fez o favor de se tornar meu amigo. Repito-me ao afirmar que sou exímio em recordar factos, mas péssimo em lembrar datas. Sei que conheci pessoalmente o Adolfo em Lisboa, já no decorrer do século XXI. O seu livro “Naquele dia Naquele Cazenga”, teria sido editado, creio eu, depois desse nosso primeiro encontro. Apreciei esse livro que retrata de modo notável a sociedade desprotegida de um dos bairros mais populosos da capital de Angola. Uma narrativa sublime que revelou o conhecimento e a sensibilidade do autor em relação à verdadeira vida dos angolanos. Um tipo de vida que, infelizmente, não evoluiu para a maioria do povo e que, nalguns aspectos, se tornou pior do que na era colonial.

Volto ao nosso primeiro encontro. Depois de ter obtido o seu contacto por via de amigos comuns, no caso, Amélia Mingas, Jota Carmelino e Fernando Paiva, aconteceu o telefonema onde a voz inimitável que se destacava na programação do “Angola Combatente”, foi imediatamente reconhecida por mim. Marcamos o encontro que aconteceria na esplanada do Suiça do Rossio, uma espécie de salão de encontros da malta de Angola. Como não me lembrava de ter visto uma foto sua, surpreendeu-me a figura do homem calvo que se apresentou à minha frente. Sempre pensei que iria ver um homem de farta cabeleira preta, tal como o imaginava. Falamos então e inevitavelmente de Gentil Viana, Viriato da Cruz e de Mário Pinto de Andrade, também do meu irmão Bito que lidara com ele em Brazzaville e ainda do camarada Fernando Paiva, o do cachimbo famoso. Infelizmente, para nosso desgosto, todos eles partiram prematuramente, não viram os seus sonhos concretizarem-se, não partilharam connosco que ainda andamos por cá, as alegrias, mas também os momentos tristes, dos mais difíceis que enfrentamos na caminhada que percorremos rumo à liberdade. 

Ao convidá-lo para almoçar num fino restaurante ali no coração do Rossio, notei o sorriso que se desenhou na sua face. Acentuou-se mais o trejeito, quando nos sentamos numa mesa do “Gambrinos”, uma casa frequentada pela alta classe política de Lisboa, que tinha entre os seus habituais clientes o doutor Mário Soares e seus correligionários. Não revelou o que pensava desse convite. Todavia, o custo das refeições naquele local, sugeria que eu fosse um tipo bem de vida, um muhata cheio de dinheiro. Ficou a saber que não era nada disso e que o móbil daquele convite era simplesmente o imenso respeito que eu já tinha por ele, pela sua trajectória, pela sua postura. Ele era a personificação do cidadão que lutava abertamente pela democracia, contra o absolutismo de ideias e, por tal facto, quanto a mim, merecedor de todo o respeito.

Do que falamos no decorrer do almoço? Certamente, do que falam sempre os angolanos que têm do país a ideia daquilo que ele é efectivamente. A nossa Pátria, a terra de todos nós, não apenas de alguns camaradas, como pensam alguns cidadãos. Uma ideia que ficou impregnada no pensamento do Adolfo Maria que se reflectiu nos seus vários escritos e nos debates em que participou e que fizeram dele, quer enquanto poeta e escritor, quer político que enfrentava periodicamente as câmaras da televisão ou os microfones das rádios, um acérrimo defensor das ideias em que sempre acreditou.

Não posso esquecer que, numa altura em que a nossa amizade já se havia consolidado, através da escrita, sobretudo, nunca deixava de fazer a análise crítica aos textos que eu fui produzindo semanalmente ao longo dos anos. Entre várias anotações, recordo o magnífico apontamento que fez no meu livro “NGhéri-hi? – Maka da grande família”, editado em 2017.

Não quero terminar sem deixar aqui registada uma particularidade da fala de Adolfo Maria. Não sei se é notada por mais gente. Recorrentemente utiliza as expressões “a momento dado” ou “a altura determinada” como advérbio de tempo que indica o momento em que algo acontece, em vez do mais convencional “a dado momento” ou “a determinada altura”. Uma particularidade apenas do modo de falar do Adolfo. Ou, talvez, a definição de um homem diferente.

E com isso finalizo, dizendo que depois de todas as ocorrências fatais que nos atingiram, a nós povo e a nós País, e nos obrigaram a ter do conceito do crime, uma ideia diferente, já que o crime passou a ser visto noutra perspectiva, é bom estar aqui. Efectivamente, a escola de pensamento angolana tende a levar para a absolvição, criminosos declarados, enquanto festejamos meio século de vida e assinalamos hoje e aqui, uma homenagem a Adolfo Maria, nesta cerimónia que é, sem dúvida, um acto relevante, de facto, um facto reconhecidamente justo. 

Renovando o meu agradecimento a todos quantos possibilitaram a realização desta Conferência, endereço aos filhos do Adolfo e a ele próprio, o meu sincero e fraterno abraço. Bem hajam todos!”

Foi este o teor, com pequenas emendas, da minha comunicação que tenho agora o prazer de levar aos meus leitores do Kesongo. 

Aproveito para cumprimentar os parentes, os amigos e os companheiros de luta. Com a promessa de estarmos juntos no próximo domingo, à hora do matabicho.

P.S. – À hora do envio desta peça não conhecia os resultados. Espero, contudo, que Rui Costa tenha ganho democraticamente as eleições para a presidência do Glorioso Sport Lisboa e Benfica. Viva a Dermocracia!

Forte da Casa, Portugal, 9 de Novembro de 2025

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