Que este dia 11 de Novembro de 2025 seja o dia da nova Dipanda, para a Paz e a Justiça! Sem fome e sem Medo! Para Todos os angolanos. Para uma Nova Angola da qual nos orgulhemos, hoje e sempre!

Há 50 anos, à hora a que comecei a escrever este pequeno texto, estava já no 1º de Maio, com o coração cheio de esperança e acreditando que estava a ser parte de um processo de mudança de uma dura realidade para algo novo. Ao som dos rebentamentos das batalhas de Kifangondo e de outros lugares, e sabendo que as colunas militares sul-africanas tinham sido ‘atrasadas’ no Kwanza Sul, o sentimento dominante era de esperança, de uma alegria contida até pela dor da falta de notícias sobre o possível paradeiro do meu irmão, e a precária condição de saúde do meu Pai. E, apesar disso tudo, não me lembro de limitações à nossa circulação pela cidade.
Cinquenta anos depois, enchem-nos os ouvidos de notícias sobre as celebrações, as 45 delegações, os 10 mil convidados, os 4 000 do desfile militar, os 6 000 do desfile cívico, dos 350 jornalistas para cobrir a festa, mais as delegações de todas as províncias… para não falar na seleção de futebol da Argentina paga a muitos milhões. Com base na experiência de mais de 7 décadas de vida e de 5 décadas de trabalho, boa parte delas em instituições do estado, consigo imaginar a composição das delegações provinciais, e do desfile cívico: os CAPs, os comités de especialidade e as organizações de massa ‘promovidas a sociedade civil organizada’. E, aí, eu pergunto: Onde está o Povo?
Esta deveria ser uma celebração do Povo, sim. Como foi a proclamação da independência há 50 anos! Onde está o Povo?
Angola está na situação calamitosa em que se encontra devido às opções políticas — entre as quais a própria guerra civil e a sua duração — que transformaram um país potencialmente muito rico num dependente crónico. Por muito relativas que sejam as comparações, não podemos ignorar que o facto de termos sido um exportador de alimentos, com uma indústria em franco crescimento e uma economia de facto em processo de diversificação (apesar de dependente do terreiro do paço), indica um potencial que deixou de ser explorado. Porque se optou por uma economia mineralizada, dependente da extracção de recursos não renováveis, agora com o cobre e o ouro, mantendo-se a perspectiva extrativista. Com a agravante de que os rendimentos da exploração desses recursos, que são de todos nós, não serem investidos na melhoria das condições e das oportunidades da verdadeira riqueza deste país, o seu povo. O Índice de Capital Humano de Angola, em 2025, é de 0,360, o que significa que uma criança nascida hoje em Angola, só terá 36% de chances de desenvolver todo o seu potencial.
O ano dos 50 anos começou com uma epidemia de Cólera, doença de pobre. Num país em que as doenças que mais matam — malária, tuberculose, diarreias e doenças respiratórias — são doenças características de situações de pobreza, entre 2015 e 2025 houve um aumento de 82% da Pobreza Extrema, elevando para 11,6 milhões o número de angolanos em situação de carência extrema. O relatório do Índice Global da Fome 2025, coloca Angola entre os 13 piores países, o pior da lusofonia. Este Índice é constituído por 4 indicadores – atraso no crescimento infantil, desnutrição aguda, subnutrição e mortalidade infantil. Isto significa que além de um presente em situação considerada muito grave, temos o futuro ameaçado.
E tudo isto tem outro resultado muito indesejado: a fuga em números crescentes de angolanos para o exterior, em busca de melhores condições de vida; em geral, para proporcionar aos filhos as condições e as oportunidades para poderem ter o futuro que desejarem ter!
Não só não se corrigiram as distorções herdadas do colonialismo como se agravaram e se expandiram as desigualdades de condições e de oportunidades que hoje nos caracterizam. Foram o desgoverno e a corrupção que conduziram o país ao estado em que se encontra. Foi a cegueira de quem deveria governar, e o silêncio e o consentimento dos governados, que produziu o resultado que temos hoje.
Então, é preciso curar a cegueira, que parece incurável porque conveniente. O caminho, em duas mãos, é escolher quem veja, e escute, … e só diga o que, de facto, se propõe executar. Chega de mentiras! E, do outro lado, dispormo-nos, e prepararmo-nos, para intervir no espaço público, em várias frentes: produzir conhecimento, partilhar esses conhecimentos, formular propostas alternativas para as escolhas políticas em nome do bem-comum. Produzir evidências dos mal-feitos e denunciar, documentado. Saber “falar”, demonstrando e reformulando, ajustando, negociando, criando as condições para que, de facto, se possa corrigir o que está mal.
Mas isso implica fazer, realizar, mudar a realidade actual. Traduzir em decisões políticas as respostas às necessidades reais deste país nas suas múltiplas dimensões. Demonstrar no OGE o que de facto é prioritário com vista à Mudança. Chega de adjudicações directas, créditos adicionais, contratações simplificadas. É preciso investir seriamente na educação a partir do pré-primário (20% do orçamento, Acordo de Dakar), num sistema de saúde a partir da base, de proximidade, e não do topo (os 15% do orçamento conforme o Acordo de Abuja), nos serviços básicos de saneamento, no ordenamento do território e na habitação. Tudo isto melhorando o desenvolvimento humano. Promover a agricultura familiar — a montante e a jusante —, aplicando os 10% acordados pela SADC. Promover a produção+transformação do sector primário, a indústria (que já tivemos), e fazê-lo numa perspectiva onde as opções das gerações futuras não sejam limitadas pelas decisões de hoje. Precisamos de acções, dispensamos discursos mentirosos.
Estes são os números da Angola de hoje, que o discurso oficial omite e que hoje, certamente, ninguém vai referir, nem os locais, nem os convidados.
Após uma noite insone como há 50 anos, embora por razões distintas (em 75, a expectativa do “E agora?”, em 2025 a indignação do “sonho adiado”) certamente vou escutar as músicas que, há muitos anos, os meus vizinhos partilham nesta data: Teta Lando, Eu Vou Voltar e Funge de Domingo. Será que os nossos mortos vão compreender porque morreram, afinal? Pergunto-me: E hoje, 11 de Novembro de 2025, é dia de quê?
Como esperava em 11 de Novembro de 1975, este precisa ser o dia do COMEÇO de uma nova Angola. Mas importa salientar que não estou pensando “em fazer-se tudo de novo”, seria desgastante e, muito provavelmente, mal-sucedido como até agora. Estou a pensar que deveremos “fazer tudo novo”. E isso não tem a ver com “um lugar novo”, ou uma “nova coisa”, mas sim com “uma nova mentalidade”.
Será que velhas cabeças cheias de vícios, limitadas por uma miopia galopante e orientadas por uma ganância ainda maior, assumirão uma nova mentalidade? Eu não acredito que quem, ainda hoje, mal conhece Angola na sua maravilhosa e promissora diversidade, e continua a responsabilizar o colonialismo, a guerra, a pandemia, a baixa no preço do crude, os inimigos ‘externos’ e ‘internos’, entre outros bodes expiatórios, pelo adiamento do país, seja capaz de operar uma mudança de mentalidade em si e de a promover nos seus ‘auxiliares’ nos diversos poderes.
Ao som de Funge de Domingo, já me antecipando aos meus vizinhos, formulo os habituais votos de Saúde, porque precisamos para encarar a hercúlea tarefa de tirar Angola do estado em que está. Cuidados muitos para curar os males actuais e coragem para influenciar a tomada das medidas que permitam transformar o seu enorme potencial em realidade, e em dignidade para todos os angolanos. E para construir uma Paz assente, na verdade, na liberdade, na justiça social, e no cuidado para com o outro.
Que este dia 11 de Novembro de 2025 seja o dia da nova Dipanda, para a Paz e a Justiça! Sem fome e sem Medo! Para Todos os angolanos. Para uma Nova Angola da qual nos orgulhemos, hoje e sempre!











