
O estádio de futebol da União da Catumbela jaz, inacreditavelmente, em abandono. Um abandono tão profundo que já não se distingue o relvado das ervas daninhas que o cobrem. Onde outrora ecoavam gritos de golo e aplausos fervorosos, reina agora o silêncio das paredes descascadas e das traves enferrujadas. É como se o tempo, cansado de esperar pela redenção, tivesse desistido de passar por ali.
O campo, outrora orgulho da vila, é hoje ruína e lembrança. O desaparecimento da equipa local, a gloriosa União da Catumbela, levou consigo a alma desportiva daquela localidade e da Província. A falta de recursos financeiros, as dívidas acumuladas e as multas impostas pela Federação Angolana de Futebol, foram as últimas marteladas no caixão de uma história que outrora pulsava de vida.
Hoje, o campo permanece entregue à solidão, guardando em silêncio as memórias de tardes luminosas e vitórias suadas. As traves já não conhecem a bola, o apito do árbitro tornou-se lembrança longínqua, e as bancadas, despidas de público, tornaram-se refúgio de poeira e esquecimento.
Os moradores e antigos adeptos olham o espaço com um misto de dor e nostalgia. Ali jogaram filhos, irmãos, amigos, ali nasceram sonhos, e muitos deles morreram com o estádio. É triste constatar que a Catumbela, terra de bravos e de talento, permitiu que um templo de alegria e união se transformasse em ruínas.
O desporto é mais do que movimento e suor: é alma, é escola de vida, é caminho de inclusão e de saúde. Ensina disciplina, respeito e partilha valores que moldam cidadãos e fortalecem comunidades. Onde há desporto, há esperança, onde ele falta, cresce o vazio, o sedentarismo e a desorientação.
O abandono de uma infraestrutura desportiva é, pois, um atentado contra o futuro. Não apenas contra o futuro dos jovens, mas contra a própria ideia de comunidade. Retira-se o espaço do convívio, da formação, da alegria e o que fica é apenas o betão rachado e o eco distante do que foi.
Em 2010, o estádio conheceu obras de melhoria aquando do CAN, quando o país inteiro parecia respirar desporto e orgulho nacional. Hoje, resta apenas o esqueleto de um sonho maltratado, como se o União da Catumbela tivesse sido apagado do mapa, mas não da memória.
Urge olhar o desporto não como simples actividade física, mas como expressão de humanidade. Ele é ferramenta de transformação pessoal e social um espaço onde se aprende a cair e a levantar, a perder e a vencer com dignidade.
Abandonar um campo de futebol é o mesmo que abandonar uma parte da alma colectiva. Cada muro que se desmorona rouba um pedaço de história, cada erva que cresce no relvado é um verso triste sobre a negligência e o esquecimento.
Recordo-me, como se fosse ontem, de assistir a muitas partidas naquele recinto. Uma delas, entre as selecções de Angola e a de Cuba, nos longínquos anos oitenta, que nos obrigou a regressar de noite e a pé para a cidade do Lobito, entre risos e medos partilhados. Éramos um grupo de amigos, atravessando o canavial que então existia. O grande receio era o cemitério da Catumbela. Falava-se de almas de outro mundo que vagueavam por ali e da mulher de branco que interpelava automobilistas. Por sorte, uma alma caridosa ofereceu-nos boleia. Também temíamos o carro da rusga, sempre à caça de rapazes para a tropa. Era o tempo em que a inocência convivia com o medo e a alegria cabia toda num golo.
Sim, o abandono destas infraestruturas, é mais do que uma falha administrativa. É uma ferida aberta na memória de um povo.
E ali, no coração da Catumbela, o estádio silencioso parece murmurar o que já ninguém ousa dizer: que a verdadeira derrota não ocorre entre as quatro linhas, mas quando deixamos de acreditar, de ter capacidade e motivação para continuar a lutar para o bem comum.
Não se pode dizer que faltam boas vontades. Um empresário local, com louváveis intenções, tentou intervir. Porém, foi barrado por alguns carolas da praça, os eternos ‘donos’ da razão catumbelense que, em nome da tradição, acabam por travar tudo o que soa a mudança. Não fazem nem deixam que outros façam.
Ali, onde o tempo parou, ainda mora o grito de um golo que nunca mais foi ouvido.
E talvez, entre o mato e as ruínas, a União da Catumbela ainda sonhe à espera que alguém lhe devolva a bola, a vida e o público.
*Em Benguela











