TOMATE, PRIVATIZAÇÕES E OUTRAS PRAGAS

O Governo faz ouvidos de mercador diante de uma crise que ameaça o polo agrícola do Dombe Grande, um activo estratégico para o Corredor do Lobito, um motor no combate à fome e no fomento do desenvolvimento rural.

SAMPAIO JÚNIOR*

Não, os recursos não faltam. São, somente, desviados com zelo e método para garantir os privilégios dos “escolhidos e afortunados”, enquanto os direitos dos cidadãos ficam para as calendas gregas. O dinheiro público existe, sim, mas anda perdido entre mordomias oficiais, inaugurações festivas e comissões bem servidas.

Chamam a isso “novo ambiente de negócios”, mas a mistura de velhos vícios com novas promessas tem mais de tragicomédia do que de reforma económica.

Na agricultura, o cenário é ainda mais cruel. O sector é o parente pobre da economia: vive de promessas e de subsídios que nunca chegam. Em Benguela, mais precisamente na comuna do Dombe Grande, um dos principais polos de produção de tomate do país, o desperdício é tão abundante quanto o sol que queima os frutos que ninguém compra. Pragas nas culturas, falta de escoamento e desorganização, são o retrato daquilo que devia ser um orgulho nacional, mas é hoje uma paisagem de abandono.

Tomemos o caso da fábrica de concentrado de tomate do Dombe Grande. Privatizada e, digamos, “desligada dos aparelhos numa sala hospitalar”, há muito que não dá sinais vitais. Os agricultores choram a sua sorte, enquanto toneladas de tomate apodrece. E quem compra tomate estragado? Nem o diabo, quanto mais um empresário cuja empresa também agoniza. Só falta aparecer mais um “chico-esperto” a importar tomate aos cubos e vender como se fosse iguaria gourmet. Pouca sorte, muita esperteza.

O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) vendeu o complexo por uns módicos 311 milhões de kwanzas, cerca de 615 mil dólares, bem abaixo dos 5 milhões investidos pelo Estado. Um verdadeiro negócio da China, só que sem a China e sem o negócio. Resultado, o que saiu das finanças públicas ficou em Benguela a apanhar pó, moscas e ironias.

Empresários locais, ouvidos por este escriba, não demonstram espanto: “Nada de novo. Só mais um cadáver económico à espera da missa de sétimo dia”.

Não me interpretem mal: se é para privatizar, que se privatize a sério com investidores dispostos a trabalhar, e não com figurantes de fotografia oficial à espera de empréstimos bancários. A economia não se constrói com oportunistas que confundem investimento com bilhete premiado.

O mais intrigante é que Angola ainda não tem uma base de dados nacional dos destruidores oficiais do património público, essa fauna que recebeu fábricas, fazendas e empresas a preço simbólico, desde o tempo do partido único, e só deixou ruínas, capim e dívidas por onde passou.

Se o país quiser realmente ter rumo, precisa de se despartidarizar. O comunismo foi uma utopia, o clientelismo é uma tragédia, e Angola parece presa entre ambos sem pão, sem ideias e sem rumo.

No fim, tudo termina igual, o Estado “intervém”, mas somente para assistir de binóculos ao descalabro nacional e inventar mais uma conversa para boi dormir, enquanto os amigos acordam ricos.

A unidade fabril de tomate, concebida para transformar o fruto em massa e polpa, integra o Complexo Agro-Industrial do Dombe Grande, que também abriga um entreposto frigorífico e uma fábrica de latas, três símbolos de uma ambição que murchou antes mesmo da colheita.

E como se não bastasse a má gestão, há também a praga. A temida Tuta Absoluta conhecida como traça-do-tomateiro, tem devastado plantações em Benguela, desanimando produtores. A praga perfura folhas e o tomate, tornando-os inviáveis para consumo e comércio. Os prejuízos já se contam em dezenas de milhares de toneladas perdidas. O custo dos pesticidas subiu, os rendimentos caíram, e muitos agricultores desistiram.

Enquanto isso, o Governo faz ouvidos de mercador diante de uma crise que ameaça o polo agrícola do Dombe Grande, um activo estratégico para o Corredor do Lobito, que podia ser também um motor de combate à fome e de fomento do desenvolvimento rural.

Ironia das ironias, é a União Europeia quem parece acreditar mais no potencial agrícola do país. Bruxelas aprovou 50 milhões de euros para o Projecto de Desenvolvimento Agrícola ao Longo do Corredor do Lobito (Agrinvest), anunciou recentemente o ministro da Agricultura e Florestas, Isaac dos Anjos, à margem do Fórum Global Gateway 2025, em Bruxelas.

Segundo o ministro, o financiamento destina-se à criação de infraestruturas e ao apoio técnico aos agricultores, visando modernizar a produção e facilitar a exportação com centros de empacotamento e embalamento.

Além do Agrinvest, há ainda projectos complementares com o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), focados na reabilitação de estradas terciárias e vias de acesso às zonas agrícolas a cerca de 300 quilómetros, segundo o ministro.

Tudo muito promissor no papel. Mas como bem sabemos, em Angola o problema não é a falta de planos, mas o desaparecimento dos resultados.

Se a história se repetir, os milhões da União Europeia acabarão como o tomate do Dombe Grande: a apodrecer ao sol, entre discursos, inaugurações e promessas recicladas.

Aguardemos agora pelo discurso do “mister” Presidente João Lourenço sobre o Estado da Nação. Esperemos, sinceramente, que desta vez não venha com a ladainha habitual da construção de hospitais, das infraestruturas portuárias e da refinaria de Cabinda “que está quase pronta”. O país precisa também de investimento sério na agricultura, com incentivos reais do Estado. É nesse campo que se plantam empregos aos milhares e se colhe o combate à fome.

Enquanto isso não acontece, continuaremos à espera do verdadeiro milagre nacional: um governo que plante políticas e colha resultados, em vez de colher aplausos e plantar desculpas.

*Em Benguela

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