
A cada dia que passa, mais informações dão conta do imbróglio que se tornou o caso que levou a ‘autodemissão’ do juiz Joel Leonardo, conselheiro presidente do Tribunal Supremo, na sequência de uma investigação sobre o seu envolvimento no descaminho de fundos, que tem todos os condimentos de corrupção de alto nível, exactamente na Corte de Justiça que está encarregue de julgar esses processos. Mas, por falta de verdade, incumprimento dos procedimentos de transparência e o descrédito que se tem no funcionamento do Judiciário, até a razão evocada pelo próprio, a sua saúde, não tem sustentação.
A saída de Joel Leonardo, apesar do escândalo, levou demasiado tempo, cerca de dois anos desde que ocorreram as primeiras denúncias (o nosso primeiro texto data de 8 de Abril de 2023). Mas pronto… finalmente, Joel Leonardo já era. Contudo, não se pense que o Tribunal Supremo (TS) e o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), estão livres da máfia que tomou conta desses dois importantes órgãos do Judiciário, faz muito tempo. É mentira! E é aí que se põe o grande dilema, porque será complicado escolher, entre pares, quem substituirá Joel Leonardo, e se o(a) escolhido(a) não será a continuidade das más práticas. Por exemplo, porque há uma ala muito influente de juízes e juízas que por via de escritórios de advogados geridos por filhos e filhas influenciam as decisões, arranjam esquemas para a reanálise de processos, alguns até arquivados, para negociação da reversão de sentenças. Essa é, aliás, uma forma de enriquecimento de alguns juízes e juízas, que dispõem de contas milionárias em vários bancos no exterior, como denunciamos em Abril de 2023.
O caso vazado recentemente nas redes sociais, sobre a reconversão de uma sentença para extorsão de fundos ao Estado angolano por via da Sonangol, estimados em 16 milhões de USD, relacionado com suposta ocupação de um terreno em Moçâmedes, exemplifica o modus operandi sustentado por alguns juízes e juízas do topo do Tribunal Supremo. Tudo começou no Namibe, com o juiz Victor Domingos Camessa, influenciado para decidir a favor dos eventuais herdeiros de Gaspar Gonçalo Madeira, em desrespeito deliberado a lei, por ter como suporte da sua decisão apenas a reclamação de uma das partes, em detrimento dos interesses do Estado.
Mas, o que se sabe é que a parte litigante teve como primeiro advogado, o agora juiz conselheiro do Tribunal Supremo, Raúl Rodrigues, que ao ascender para essa Corte, endossou a defesa do caso ao seu escritório por via da sua filha, a advogada Ana Rodrigues. Logo, os interesses e a perspectiva em torno do processo mantiveram-se. Conforme as nossas fontes, as inconformidades constatadas pela defesa e as evidências apontadas pelo Instituto Geográfico Cadastral de Angola sobre provas forjadas, designadamente, nas demarcações e nos documentos de titularidade duvidosa, não foram consideradas. O juiz Victor Domingos Camessa decidiu a favor dos supostos herdeiros reclamantes, uma questão que exige igualmente investigação, tendo em conta as suas ligações com o juiz conselheiro Raúl Rodrigues e com a sua filha, a advogada Ana Rodrigues, eventuais beneficiários da ‘remuneração’ compensatória de 16 milhões de dólares.
Com a posterior verificação de irregularidades processuais das decisões e procedimentos do juiz Victor Domingos Camessa, em Moçâmedes, o processo foi declarado nulo e/ou extinto, preservando-se o interesse público e impedindo uma tentativa costurada com o único objectivo de extorsão de fundos ao Estado, como ocorreu, por via de um integrante do Conselho Superior de Magistratura Judicial, tido como muito próximo e ‘homem’ de confiança da rede criada por Joel Leonardo.
Como fez questão de frisar uma fonte ligada a assuntos do Tribunal Supremo, apesar de todas as evidências dos crimes de que está a ser acusado, e que constam da investigação feita a Joel Leonardo pela PGR, o ‘autodemissionário’ juiz conselheiro não é tido “como dos piores” naquela Corte. Imagine-se então o que pode haver de pior que Joel Leonardo no Tribunal Supremo? Mas essa é uma matéria que a PGR e a Direcção de Ilícitos Penais do SIC devem investigar com celeridade e profundidade, porque há demasiadas evidências que apontam para a realização de negociatas com processos analisados e julgados no Tribunal Supremo. E uma das juízas conselheiras, apontada como envolvida no ‘jogo’, é de entre todas a mais antiga, que intervém por via de um escritório que também tem à cabeça uma filha.
Após ter perdido o seu sobrinho, o major das FAA Silvano Manuel António, envolvido na tentativa de extorsão do ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomas, só mais tarde, disseram as nossas fontes, Joel Leonardo teve conhecimento da existência de uma segunda figura conhecida como Jorge Quintas, que utilizando o seu nome vai aos tribunais, influencia a agilização de processos ou a alteração de decisões de juízes.
Ora, não é difícil concluir que Joel Leonardo saiu, mas outras e outros deveriam segui-lo. Se isso não ocorrer, será o mais do mesmo e não há como obrigá-los porque, à excepção do Presidente da República, ninguém mais tem poder para influenciar a tomada dessa decisão. E não há lei que obrigue o conhecimento público dos seus rendimentos e património, o que constituiria boa prova para atestar, que alguns dos que julgam os corruptos de ontem, estão hoje na primeira linha da defesa e dos beneficiários da ‘velha e da nova’ elite que promove a corrupção.