O ANALFABETISMO E A FOME NÃO SÃO RELATIVOS

O povo heroico angolano, tem o direito a viver em prosperidade. Não pode continuar a ser humilhado, roubado, em troca de medalhas generalizadas, e tratado como um bando de indigentes invisíveis.

MARIA LUÍSA ABRANTES

Todos os dias das nossas vidas adultas serão poucos para relembrar, que o analfabetismo e a fome não são relativos. A fome e a miséria são o resultado de políticas económicas e sociais idealizadas, visando a maximização do lucro para uma classe dominante, através da manutenção do poder. O controlo do poder político, é a pedra de toque que possibilita que um número reduzido de indivíduos, possa traçar o destino da população de qualquer país. Acontece quer nas democracias liberais, quer nos regimes socialistas, ou de partido único (China socialista, por oposição a Singapura capitalista). 

A responsabilidade social do Estado e das empresas, só funciona por força da lei (intervenção indirecta do Estado na economia). Bill Gates agradece publicamente aos seus colaboradores, pelas horas extraordinárias sem remuneração, sendo oferecidas aos projectos sociais da sua Fundação. O remanescente das doações, é descontado nos impostos, ou devolvido por essa via. As empresas químicas e petroquímicas são obrigadas por lei a contribuir continuamente, não apenas para prevenir possíveis danos ambientais, mas também para o desenvolvimento local. 

Angola, é um país abençoado, com uma localização geográfica estratégica, onde não falta absolutamente nada em termos de recursos naturais. Em contrapartida, tem fracos políticos, péssimos gestores na liderança e falta de mão de obra qualificada, aos níveis intermédio e de base. Para além de 35 milhões de hectares de terras aráveis, (só 1/6 cultivadas), possui 12% dos recursos hídricos (petróleo azul) do continente africano.

Os recursos hidrográficos “morrem” no oceano Atlântico, sem serem tratados para consumo das populações. Com a água que se perde, canalizada e tratada, evitar-se-ia a maioria das endemias que matam 68 ou mais crianças em cada 1.000, até aos 5 anos de idade, (só no Hospital David Bernardino, morrem cerca de 5 crianças por dia). Não há dados estatísticos fiáveis, do número de crianças que morrem diariamente no meio rural, onde não existe assistência médica e medicamentosa, com cólera, febre tifoide, para além do paludismo, etc.

Na capital, foi recentemente inaugurado um novo hospital, mas, pasmem-se, é apenas para pacientes provenientes das províncias, se chegarem cá vivos, à excepção dos pacientes com AVC. Já agora, gostaria de perguntar se os pacientes têm o conhecimento necessário, para se autodiagnosticarem e saberem se estão a ter um AVC ou não. Nesse caso, o Hospital General Pedalé, será apenas para os pacientes que estiverem já com o “pé na cova”? 

Como se não bastasse, em Angola, o índice do desemprego é superior a 35% da população activa, se tivermos em conta, que o INE não controla os dados estatísticos do trabalho informal, de cerca de 80% da população activa, num país com cerca de 40 milhões de habitantes, concentrando-se cerca de 10 milhões na província de Luanda. 

A elevada taxa de desemprego, acompanha o crescimento da taxa de analfabetismo, que está acima dos 30%, dos cerca de 60% da população jovem com idade escolar (65% dos 0-14 e dos 14-24, UNICEF), porque a política económica não é favorável. A política económica gizada pelo Executivo, não permite a arrecadação de receita fiscal suficiente, para que o Estado possa investir em infraestruturas básicas (estradas, pontes, portos, aeroportos, caminhos de ferro, energia elétrica e adução de água) e infraestruturas sociais (instituições de ensino públicas e centros de investigação, hospitais, entre outros). 

A política económica abrange um conjunto de acções do governo, visando alcançar como objetivos, o crescimento econômico, a estabilidade dos preços e o pleno emprego, utilizando as políticas fiscal, monetária e cambial adequadas e ajustadas regularmente. Não é normal, que em vésperas das eleições de 2022, tenham suprimido o IVA aos produtos da cesta básica de produção local e, logo após as eleições, no rescaldo da crise económica, causada pelo COVID 19, enquanto os governos de outros países concediam apoios financeiros e cortavam impostos, tornassem a aplicar o IVA aos referidos produtos. Essa medida pode não afectar o Grupo CARRINHO, porque funciona por permuta, com empresas sob o controlo do Estado, possivelmente por “ordens superiores”, mas afecta todas as outras pessoas colectivas privadas e singulares. 

Sem escolas públicas, sem emprego, ou com subemprego, as crianças vagueiam pelas ruas como zumbis, fugindo da fome e da ociosidade. São mortos vivos, sem esperança, sem futuro, famintos, de mão estendida, ou de contentor em contentor. Exaustas, sem transportes públicos, nem dinheiro para o táxi, acabam por pernoitar nos esgotos, cheiram gasolina ou gasóleo, para não sentirem o incômodo das pedras, o cheiro a podre, ou as picadas dos mosquitos, 50 anos depois, do dia da independência nacional. Que vergonha! 

As empresas privadas são o esqueleto da economia, que dão emprego e alimentam as famílias e as receitas do Estado através da cobrança dos impostos. 

O salário mínimo actual para empregados domésticos e para microempresas, de AOA 50.000,00 (46,45 euros), é inferior em cerca de 47% ao salário mínimo para os mesmos escalões em 2014 e, inferior em cerca de 48,5% ao salário mínimo de 2017, que era equivalente a 88,3 euros (AOA 16.503,30). Isto é: o salário mínimo actual dos escalões mais baixos, é cerca de metade do salário mínimo de 2014, (11 anos depois). O actual salário mínimo do escalão superior de 100 mil kwanzas, equivalente a 92,90 euros, é apenas superior em 4,50 euros, relativamente ao mesmo escalão em 2017 (8 anos depois). As actualizações salariais são uma autêntica farsa política propagandista. 

Entretanto, o escalão mais baixo do salário mínimo sofreu uma depreciação de quase 50%, de Junho de 2017 a Setembrode 2025. 

O Kwanza sofreu uma desvalorização de cerca de 1.000% nos últimos 8 anos. Em sentido contrário, o preço dos produtos da cesta básica dispararam, ultrapassando a tendência de subida da inflação, não obstante, não sei porque contas, o INE refira que no mês de Agosto de 2025, a taxa de inflação baixou a 18,88%. Só de Setembro de 2017 a Setembrode 2018, o Kwanza desvalorizou em 45,79%. 

•⁠Em 2014, o salário mínimo era de 80,30 euros (AOA 15.003,00) para os trabalhadores agrícolas e de 120,00 euros (AOA 22.504,50) para os trabalhadores do comércio e indústria extractiva, de acordo com o Decreto Presidencial n.º 114/14 de 9 de Junho;

•⁠ Em 2017, o salário mínimo era de 88,3 euros (AOA 16.503,30) para os trabalhadores agrícolas, de acordo com o Decreto Presidencial n.º 91/17 de 7 de Junho; 

•⁠ A partir do dia 17 de Setembro de 2025, o salário mínimo passou a ser de 100 mil Kz (92,90 euros) para as empresas, mas de 50 mil Kz (46,45 euros) para as microempresas e empregados domésticos, de acordo com o Decreto Presidencial n.º 152/24 de 16 de Setembro; 

•⁠ Enquanto em 2017, 1 pão custava 5,00 Kz; 1kg de açúcar custava 150 Kz e 1 saco de açúcar de 50 kg custava 2.000,00 Kz; 1 caixa de coxas custava 1.400,00 Kz nos armazéns; 1 caixa de óleo custava1.200,00; 1 kg de arroz custava 100,00 Kz; um saco de arroz de 25 Kz custava 2.500,00; 1 pacote de massa custava 50,00 Kz e 1 caixa de massa de 20 pacotes custava 750,00 Kz. 

(Obs.: Com 20 mil Kz, obtinha-se uma cesta básica completa, incluindo peixe e frango (10 mil Kz).

•⁠ Em 2025, 1 pão custa 100,00 Kz (aumentou 500%), 1 kg de açúcar custa 1.250,00 Kz (com IVA, isto é, aumentou 833,33%) nos supermercados, 1.000,00 Kz (sem IVA) nos mercados informais e o saco de 50 kgs de açúcar custa 48.000,00 Kz nos armazéns; 1 litro de óleo custa 2.380,00 Kz nos supermercados e 1.800,00 Kz nos mercados informais, 1 caixa de óleo 32.000,00 Kz (aumentou 2.666,66%); 1 kg de arroz no supermercado custa 1.550,00 Kz (aumentou 1.555%) e 1 saco de arroz de 25 kg custa 24.000,00 Kz nos armazéns; a caixa de coxas de frango custa 26.000,00 kwanzas (aumentou 1.857,14%) nos armazéns; 1 pacote de massa custa 350,00 Kz (aumentou 700%) e 1 caixa de massa custa 6.700,00 Kz. 

Em resumo: ⁠

•⁠ O Kwanza depreciou-se, pelas sucessivas desvalorizações; 

•⁠ Não foi levada em conta a recomendação menos gravosa do FMI, de não acelerar a aplicação do IVA; 

•⁠ Não foi acautelada a recomendação da então Directora do FMI, Cristine Lagarde, (actual Presidente do BCE), de que a África deveria deixar de contratar tantos consultores estrangeiros. Os mesmos, tem salários elevadíssimos, (mesmo para os países desenvolvidos), pela contratação de prestação de serviços, por incapacidade (incompetência) e interesse financeiro (parcerias e comissões). Esses valores, serviriam para aumentar as rubricas do OGE

de educação, de formação e para melhorar o salário dos quadros angolanos com o mesmo nível. Já possuímos muitos quadros nacionais, que estudaram nas mesmas instituições de ensino que os consultores estrangeiros. Aliás, são os técnicos angolanos que lhes concedem os dados, sem os quais não conseguiriam apresentar resultados. 

•⁠ Os preços dos produtos da cesta básica, aumentaram de 2017 a 2025, em 500% a 2.666,66%, enquanto o salário mínimo em 2025, é de cerca de metade relativamente ao ano de 2014. Se cerca de 80% da população angolana activa⁠, vive com menos de 2 dólares por dia (abaixo do limiar da pobreza), entre os quais muitos sem absolutamente nada, pergunto:

 •⁠ Como aquecer a economia se a população não tem poder de compra? 

•⁠ Como evitar a contínua falência dos negócios, com despedimentos em massa, sem subsídios de desemprego? 

•⁠ Como acabar com os monopólios? 

•⁠ Como prevenir o aumento dos roubos e assaltos à mão armada? 

•⁠ Como evitar a prostituição de menores? 

•⁠ Como erradicar o analfabetismo? 

•⁠ Quando será efectuado o registo massivo de adultos autóctones, para poderem assim, também registar as suas crianças “fantasmas” e, desta forma, passarem todos a contar, contrariamente ao que consta nas estatísticas falseadas? 

•⁠ A sustentabilidade económica só fará sentido, com a coexistência da formação adequada e continua do capital humano, experimental ou “on job” (desde o ensino médio), adequada à estratégia traçada por programas de desenvolvimento econômico, que incluam políticas ambientais alinhadas com os objectivos e características do nosso país. 

•⁠ O povo heroico angolano, tem o direito a viver em prosperidade. Não pode continuar a ser humilhado, roubado, em troca de medalhas generalizadas, e tratado como um bando de indigentes invisíveis, condenado a morrer em vida, para dar lugar a invasores silenciosos, a negócios opacos e à recolonização do país, 50 anos depois da independência nacional.

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