
Os dados estatísticos sobre a cólera em Angola indicam que, é sempre na época mais quente e quando chove, e como resultado das insuficiências da cadeia de abastecimento de água tratada, do saneamento urbano, das más práticas das comunidades resultantes de hábitos, costumes e de falta de educação sanitária e ambiental, que se registam os períodos mais críticos de propagação da bactéria. E a época de chuva começou, oficialmente, a 15 de Agosto, e deverá prolongar-se, oficialmente, até 15 de Maio de 2026. Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INAMET), entre Setembro e Novembro estarão reunidas condições para instabilidades atmosféricas na maioria do território nacional, devido à conjugação de temperaturas elevadas e humidade no ar. Novembro já está aí, o que significa que acompanhado do habitual ‘round’ de doenças sazonais, como malária, febre tifóide, diarreia, cólera e infecções respiratórias, potenciadas pela combinação de calor e humidade que começam a atingir o zéntith entre Dezembro e Janeiro, o que nos espera pela frente pode não ser lá muito bom.
Mas, desta vez, pode ser diferente, melhor dizendo, poderemos ter um número superiores de infectados pela bactéria e quiçá de mortos, porque a cólera resultante do período 2024/25, que no máximo devia ter sido eliminada antes de 15 de Agosto, continua activa. Dados tornados públicos no dia 29, terça-feira, pelo Ministério da Saúde (boletim 295), dão conta que, apesar de não se ter registado mais qualquer morte até Outubro, aconteceram ainda 78 casos de infecção colérica, 53 dos quais no município do Uíge, secundado pela província da Huíla, com 14, mas também nas províncias da Lunda Norte (5), Malange (5) e Namibe (1). O corredor Luanda, Sumbe, Benguela não consta nesta estatística, mas isso não significa que as causas, conjugadas, o problema das vias e ruas alagadas, sistemas de drenagem pouco eficientes, estejam resolvidos. Portanto, os factores de contaminação e de propagação da bactéria, aguardam apenas o ‘toque’ de activação da ignição e voltaremos ao princípio. É esse facto que está a preocupar a sociedade.
O balanço geral divulgado recentemente pelo Grupo Técnico da Comissão Multissectorial de Combate à Cólera, indica que até Outubro, Angola registou mais de 30 mil casos, dos quais 847 resultaram em mortes, com as províncias de Luanda, Malange, Benguela, Cuanza Norte e Bengo tidas como as mais afectadas. O surto começou em Luanda, em Janeiro de 2025, e rapidamente se propagou por 17 das 21 províncias. Pela expressão dos números, foi, inclusive, considerado um dos mais graves da história do país, com a maioria dos casos ocorrendo em pessoas com menos de 20 anos.
Com menor ou maior gravidade, esse é um filme que se repete a cada ano e o conteúdo do guião, o mesmo: a precariedade no acesso à água tratada, tida como dos principais factores que contribuem para a disseminação da bactéria, associada as condições de habitabilidade de grande parte das famílias urbanas e rurais, a falta de saneamento adequado particularmente nas zonas periféricas dos grandes centros urbanos e/ou aldeias. E todo esse quadro, permanece quase inalterado, até porque os indicadores apontam sempre como causa da redução a falta de chuvas e as temperaturas mais baixas no período de cacimbo, do que como resultado de intervenções técnicas, administrativas e sanitárias. Porque não são de carácter permanente e para melhorar, mas sim para ‘extinguir o fogo’ como bombeiros, e aguardar por outro.
Desde Janeiro, o ‘combate’ ao surto mobilizou diversos intervenientes, designadamente agentes ligados ao sector da Saúde, lideranças religiosas, comunidades e organizações nacionais e internacionais, como o UNICEF e a OMS, para implementar planos de prevenção e resposta. Foram reabilitados pontos de água e distribuídos guias e produtos para o tratamento em áreas afectadas, o recurso a campanhas de informação por via da rádio e acções porta-a-porta para promover a higiene e a lavagem das mãos e criados pavilhões para assistência médica.
Mas, faltando apenas cerca de três meses para Janeiro de 2026 e decorridos nove meses de crise, a bactéria continua a ‘dar show’, a atestar que se torna necessário fazer mais, ou que, o que se fez foi pouco para atender as necessidades e prioridades gerais da nossa dura realidade. E esses indicadores trazem novamente ao ‘lume’, as dúvidas em relação à qualidade e a abrangência do investimento público que se tem realizado no Sector da Saúde. Porque fica perceptível, que quem identificou a solução ou a correcção das distorções começando com a construção de grandes, modernos e muito bem equipados hospitais de nível 3, não teve em conta que, se o tivesse feito com maior incidência na periferia, na base da pirâmide das necessidades, provavelmente, o impacto seria outro. Como resultado, os angolanos continuam a morrer, e como morrem, aos montes e não há responsáveis.
O recurso para os desfavorecidos têm sido postos médicos rudimentares, propriedade e geridos por pessoal desqualificado e ganancioso, que de forma criminosa, despreocupados com a importância da preservação da vida das pessoas, comercializam e utilizam medicamentos contra facetados ou com validade expirada há mais de três anos (os tribunais têm em mãos vários processos) sobretudo no tratamento de mulheres e crianças. Para o extracto social de nível médio (se é que temos ainda classe média), a saída têm sido as clínicas, algumas delas construídas com recursos públicos, que praticam preços em Kzs, mas com referências ao câmbio em dólares ou euros. Os que estão lá em cima e os que têm recursos, como antes da construção dos novos e modernos hospitais continuam a ter Portugal, Espanha e África do Sul como destino de preferência. E o Governo, apesar da falta de recursos quer para manutenção, quer para pagamento de fornecedores de serviços dessas novas unidades, mantém a aposta na construição de mais e mais hospitais de nível 3, que não servem a maioria da população e as taxas de ocupação (diferenciada) atestam isso.
Como indicam os relatórios diários do INAMET, as chuvas já caiem nalgumas regiões do país. O calor nem tanto, mas os amontoados de lixo continuam a crescer. A falta de água, ou as interrupções por avarias, manutenção ou por corte de energia, são a realidade dos nossos dias. No país onde já morreram 847 pessoas infectadas de cólera, e ocorrem só em Luanda, cerca de 200 funerais num só dia, como se fosse normal morrer tanta gente e por causa do lixo e de água potável. Por esse andar, e enquanto não se atacar o que é necessário e prioritário, quem governa poderá construir os melhores e os mais bem equipados hospitais, porque a população desfavorecida continuará a morrer de cólera, de malária ou como resultado do mau estado das nossas estradas.
Embora se perceba algum ‘esforço do Governo’ (como volta e meia justificam) seguindo essa estratégia, também se terá que construir mais morgues e cemitérios. E os números são razão de alerta: em 2024, foram registados mais de 7 milhões de casos de malária e cerca de 11 mil mortes, afectando principalmente crianças e mulheres grávidas, com particular incidência nas zonas com acesso limitado aos serviços de saúde. E os grandes hospitais não servem estes casos. Em relação aos acidentes rodoviários, no primeiro semestre do corrente ano, foram registados 6.055, de que resultaram I.482 mortes. Se a esses dados incluirmos os que são consequência da falta de qualidade de vida, deficiente atendimento hospitalar e outros casos, facilmente se poderá depreender que quer o Titular do Poder Executivo, quer a sua auxiliar que responde pelo Sector, estão a seguir uma rota e objectivos completamente diferentes dos que podem conduzir à redução efectiva dos números e das causas de morte em Angola.Para quem se propôs fazer melhor, 13.329 mortes/ano (ou mesmo o minimo que fosse), só neste simples somatório que não inclui outros casos, são números que deveriam roubar o sono e a tranquilidade de quem governa. Porque são vergonhosos.











