AINDA O DINHEIRO

JAcQUEs TOU AQUI!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Um infeliz Comissário, director de segurança institucional dos Serviços de Migração e Estrangeiros, suicidou-se! Foi há alguns dias. O impacto da notícia foi relativo. Como a fome! Acontecimentos deste tipo, embora destacados nas notícias, já não surpreendem. Um áudio onde o malogrado revelava ter negociado favores com um estrangeiro, foi divulgado. Fechou-se no gabinete e disparou um tiro contra si próprio. Dinheiro, o vil metal, foi certamente a causa que levou ao trágico desfecho.

Não foi também há muito, correu nas redes sociais que através de um alegado esquema de suborno, o director de segurança de activos da Sonangol, terá burlado o presidente do Conselho de Administração.  Mesmo que a notícia não seja verdadeira, seja fruto da maldade de alguém, o dinheiro surge novamente como mola-mestra do eventual acto. Revestido dos velhos esquemas e com os protagonistas habituais!

O Jornal de Angola, noticiava há dias que no período de dois anos, cerca de três mil pessoas suicidaram-se na província da Huíla. Horrível e chocante. Impressionante pelo número de vítimas. Ninguém deixou de se mostrar indiferente. Segundo o periódico, as causas foram identificadas. Mais ou menos claras, fazem concluir que há qualquer coisa que não anda bem por estes nossos lados! Há transtornos mentais nas pessoas. Um autêntico desafio para a saúde pública, afirmou um responsável, acrescentando que tudo se deve à situação económica e social, ao modo de vida das populações. Falou-se disso e de vidas perdidas, de famílias destruídas e de comunidades fragilizadas.

Este registo, leva-nos facilmente a uma triste conclusão. Tudo o que acontece de mau à população, principalmente à mais vulnerável, à desclassificada, é, na grande maioria dos casos, originado pela falta de dinheiro. Sendo uma carência que é visível em todo o mundo, por razões só nossas, parece sempre mais dramática em Angola. De tal modo que até quando se pensa na remediação desses dramas, se evocam umas soluções estranhas, só vistas na nossa terra. 

Entra-se então no campo mágico da especulação, e começa a admitir-se como possível e natural minimizarem-se tais desgraças, através da sorte de cada cidadão, seja rico, pobre ou remediado. Aborda-se então a área dos jogos e lotarias, relativamente bem-sucedida no tempo colonial e que, em tempos modernos, foi assaltada em Luanda no pós-independência, pelo menos, pelos casinos e outras casas de jogo, que tinham todo o ar de organizações suspeitas. Tenho para mim que a maioria dos contribuintes angolanos não sabia, nunca soube, das receitas cobradas pelo Estado com a autorização de licenças para o funcionamento dessas casas. 

Sonhadores que somos, quando a situação mudar – porque isto vai ter de mudar um dia – iremos certamente imitar o colono, ou seja, fazer o que continua a ser feito no estrangeiro. Numa perspectiva capitalista – está-se mesmo a ver – em que o crescimento económico e social obedece a regras dominantes, admito não tardar muito que tenhamos entre nós os jogos do tipo Euromilhões e Eurodreams e surjam nas rádios e televisões de Angola, os concursos que na Europa e no resto do mundo fazem milionários e dão dinheiro aos reformados e às donas de casa que estão horas seguidas ligadas às rádios e televisões, a alimentar sonhos de ganhar algum e aliviar a falta dele no orçamento familiar. Estou a pensar naqueles programas do género do que, ainda no século passado, Carlos Cruz, no apogeu da fama, idealizou em Lisboa para a SIC, e a que deu o título de “Febre de dinheiro”. Iguais aos que hoje preenchem a grelha de várias estações e promovem marcas e serviços. Não sendo a solução desejada, será, todavia, uma componente da forma de viver que nos espera e que será aplaudida, sem dúvida e sem reservas.  

Sobre o dinheiro, aquilo com que se compram os melões, soube há dias de uma cena caricata. Das que custam a acreditar. Mas como já nada nos espanta neste mundo de casos extraordinários, devo aceitar como certa a ocorrência. Foi assim. Um cidadão tinha acabado de ser condecorado pelo Presidente da República no âmbito da celebração dos 50 anos da Independência Nacional. Pelo seu contributo ao desenvolvimento do País. No dia seguinte ao da sua aparição na televisão, a receber a medalha das mãos do Grande Chefe, momento de sonho para a família, recebeu uma chamada de uma prima, de quem há muito não sabia o paradeiro. “Meu parente, agora podes ajudar-me”, disse-lhe. “Estou a precisar de dinheiro”. O parente condecorado não queria acreditar no que ouvia.  A estimada prima estava convencida que a condecoração dava direito a uma certa verba.

É esta, meus senhores, a lógica do dinheiro, do kumbu, do que mais se deseja. Óbvio que assim seja! E assim viajo, meus amigos, pelas histórias de vida e pela certeza de como esta, a vida, tantas vezes nos transforma. Cantava mais ou menos assim Sérgio Godinho, quando rapaz novo. Vencido, mas não derrotado ainda, continuo na minha caminhada sonhadora, aguardando que um dia chegue a hora em que direi para a minha malta que, apesar de tudo, sempre valeu a pena. 

Com os habituais cumprimentos, despeço-me dos meus leitores, dos companheiros de luta e dos amigos. Aguardo por todos no próximo domingo, de manhã, à hora do matabicho.

Forte da Casa, Portugal, 26 de Outubro de 2025 

P.S. – Neste momento, não sei ainda quem ganhou as eleições no Glorioso Sport Lisboa e Benfica. Votei, mas não revelo em quem apostei. O voto é secreto. Viva a democracia!

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