A UNIÃO EUROPEIA FINTOU OS AFRICANOS?

Em 14 anos (de 2021 a 2035), a 100 mil milhões de euros anuais, o montante do financiamento deveria corresponder a um valor total de 1,4 triliões de euros, e não apenas 300 mil milhões. Isto é, 11 (onze) vezes menos o valor estabelecido no compromisso assumido.

MARIA LUÍSA ABRANTES 

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (licenciada em medicina e política de carreira), anunciou no dia 24 do corrente mês, durante o Fórum Empresarial, à margem da 7⁠ª Cimeira União Europeia — África que decorreu em Luanda, que dos 150 mil milhões de euros, (correspondentes a 50% dos 300 mil milhões de euros) do Programa “Global Gateway” para África, (no âmbito do da Agenda 2030 e do Tratado de Paris), já foram “mobilizados mais 120 mil milhões de euros”. O Programa “Global Gateway para África”, recorde-se, destina-se ao financiamento de projectos nas áreas digital, clima, energias alternativas, transportes, saúde, educação e investigação científica, no âmbito da Agenda 2030 e do Acordo de Paris. 

Mais adiante, Ursula von der Leyen referiu também, que “o investimento demonstra que a Europa está alinhada para alcançar os objectivos da cooperação, com investimentos em grande escala no continente”.

Em primeiro lugar, não nos deveremos esquecer que o Programa Global Gateway terá uma duração de 14 anos, a partir de 1 de Dezembro de 2021 a 2035, mas foram já alocados (concedidos) quase  50% do valor total, não significando que os projectos estejam em curso. A palavra “investido” significa que o valor já foi consumido num determinado investimento executado, pelo que, esta ou outra terminologia técnica devem ser usadas com precisão, o que não nos pareceu ser o caso, e não cremos que tenha sido acidental. 

Em segundo lugar, seria bom recordar também, no âmbito das alterações climáticas e do Acordo de Paris, (de que os Estados Unidos se apartaram durante os dois mandatos do Presidente Trump), foi assumido o compromisso de que os países industrializados, neste caso concreto a União Europeia, deveriam, “anualmente”, liberar um valor de 100 mil milhões de dólares, para financiar os países em desenvolvimento menos poluidores. Os países desenvolvidos deveriam ainda, desenhar um roteiro para duplicar o fundo de adaptação. 

O Acordo de Paris foi adoptado a 12 de Dezembro de 2015, e entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016, com o objectivo de limitar o aquecimento global a menos de 2%, acima dos níveis pré-industriais, com um esforço para limitar esse aumento a 1,5 °C. A Agenda 2030 foi adoptada em Setembro de 2015. 

⁠⁠Em 14 anos (de 2021 a 2035), a 100 mil milhões de euros anuais, o montante do financiamento deveria corresponder a um valor total de 1,4 triliões de euros, e não apenas 300 mil milhões. Isto é, 11 (onze) vezes menos o valor estabelecido no compromisso assumido.

O pior ainda, foi ouvir durante a Cimeira, o organizador do evento, investido nas funções de Presidente da União Africana e da República de Angola, a tecer grandes elogios aos cerca de 120 mil milhões de euros de “financiamento” mobilizados, segundo a Presidente da Comissão Europeia. Ursula von der Leyen, misturou também a referência “investimento”, como, aliás, deveria ser (a fundo perdido), mas não é. É preciso ter em atenção, que foram, possivelmente e por parcelas, disponibilizados financiamentos às empresas europeias executoras dos projectos, para estudos, consultoria, equipamentos, preparação dos mesmos, incluindo o pagamento a subcontratadas. 

Para alguns líderes africanos, pouco importará a redução do “financiamento” em 11 (onze) vezes menos, por um período de 14 anos. Têm como mais importante a salvaguarda das aparências a capitalizar, com o marketing político de curto prazo e, que parte desse valor, possa ir parar aos resultados das empresas dos monopólios ligados ao regime, que depois desinvestem. Facilmente expatriam os capitais por vias pouco transparentes, alternadas com normas legais, aberrantes, que possibilitam só os estrangeiros a transferir dividendos sem importar capitais. 

Por último, não obstante a transportação seja de extrema importância para os países africanos, verifica-se que os projectos em carteira, candidatos à contemplação dos cerca de 150 mil milhões de euros, são maioritariamente destinados à viabilização de corredores, situados em áreas em que se possibilita, particularmente, o escoamento de recursos geológicos e mineiros por via de portos marítimos. As “commodities” serão exportadas sem valor acrescentado pelos seguintes corredores: 

•⁠  ⁠Corredor Abidjan (petróleo) / Lagos (petróleo); Abijdan (petróleo) / Uagadogou (variados minérios, 4.º produtor de ouro); Abidjan (petróleo) / Dakar (recursos minerais) / Praia (descobertas terras raras- ETRs); 

•⁠  ⁠⁠Corredor Mombaça   (recursos minerais) / Kissangani (terras raras e outros minérios);

•⁠  ⁠⁠Corredor Cairo (petróleo, gás, variados minérios) / Cartum (petróleo, gás, outros minérios) / Juba (recursos minerais) / Kampala (petróleo e outros minérios); 

•⁠  ⁠⁠Corredor Maputo (gás) / Gaberone (dos maiores produtores de diamantes e outros minérios) / Walvis Bay (petróleo e gás);

•⁠  ⁠⁠Corredor Lobito (terras raras, cobre, manganês, petróleo, gás e outros minérios);

⁠Aparte os projectos em carteira para exportação em força de recursos geológicos e mineiros, há que assinalar:

•⁠  ⁠Na República Centro Africana (diamantes, ouro e outros minérios), 1 projecto para um Centro de Operações de rede com cabos de fibra óptica. Porque, as comunicações são imprescindíveis para os operadores mineiros, embora impulsione também o desenvolvimento; 

•⁠  Não há investimento na reflorestação, na agricultura, nas infraestruturas digitais, nas energias alternativas, na saúde, na educação e investigação científica; 

Mas, para onde irá o remanescente 1,1 trilião de euros, se só estão prometidos 300 mil milhões? 

Será que há engano, como aconteceu com o Secretário Geral das Nações Unidas, que até fala português? 

Se estiver a errar nas contas ajudem-me, porque é constrangedor que os europeus continuem a tratar-nos como o que infelizmente merecemos, porque não nos manifestamos por falta de lição estudada. Afinal, são os consultores europeus que elaboram os “drafts” que os assessores levam ao Presidente da República, bem como os programas que apresentamos. Por isso, se não aferirem parte do que escrevi, vamos continuar a acreditar mais neles do que na “prata” da casa. 

Enquanto isso, aguardamos pelos ‘ganhos’ do Corredor do Lobito, que até já existe, batendo palmas trancados em casa (porque somos considerados atrasados e não merecemos ver o filme), com a barrigas vazias e sem emprego.

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