ANGOLA E OS DIREITOS DOS CIDADÃOS

POR: JOAQUIM SEQUEIRA

Embora a Constituição de Angola proíba discriminação com base em raça, género, religião, deficiência, idioma ou status social, na prática o governo não tem garantido efectiva aplicação dessas normas. (referência 1)

A liberdade de expressão, de imprensa e de reunião está garantida, mas há um padrão crescente de restrições e intimidações. Jornalistas enfrentam censura, assédio, prisão e até violência, o que promove autocensura e limita o pluralismo mediático, principalmente fora de Luanda. (referência1)

Implementação dos Princípios de Justiça Transicional (AUTJP) da União Africana (UA)

Ratificações e Acções Iniciais

Angola foi o primeiro país africano a ratificar o Protocolo de Malabo, que visa fundir a Corte Africana de Direitos Humanos com a Corte de Justiça da UA para formar um tribunal continental com jurisdição sobre crimes graves, como genocídio, crimes contra a humanidade, terrorismo, corrupção e outros. (referências: 2 e 3)

Avaliação de Mecanismos em Angola

Dados compilados pelo TJET indicam que Angola promulgou 11 amnistias entre 1975 e 2006 e realizou 12 processos judiciais internos entre 2006 e 2018, culminando em 13 condenações de agentes estatais e nenhum resultado na responsabilização de opositores. (referência: 4)

Participação em Políticas e Iniciativas da UA

Durante o encontro do Conselho de Paz e Segurança da UA, realizado em Luanda em Dezembro de 2019, reafirmou-se o compromisso com a Política de Justiça Transicional (AUTJP) como ferramenta para combater a impunidade e fortalecer a paz. (referências: 5)

Angola tem destacada participação no diálogo continental sobre justiça e prestação de contas, especialmente no âmbito dos eventos da “Africa in Conversations”, reforçando a importância da ratificação e implementação de instrumentos jurídicos da UA, como o Protocolo de Malabo e a AUTJP. (referências: 6)

Apoio Técnico e Internacional

A UA e a União Europeia (UE) lançaram a iniciativa ITJA (Initiative for Transitional Justice in Africa), implementada pelo ICTJ (International Center for Transitional Justice) em colaboração com ATJLF (Africa Transitional Justice Legacy Fund), com financiamento de €5 milhões, para apoiar os Estados-membros (incluindo Angola) na implementação da Política Continental de Justiça Transicional, promovendo capacitação técnica, sensibilização da sociedade civil e mecanismos sensíveis ao género. (referências: 7)

Além disso, foi assinado um memorando entre a UA e o Africa Transitional Justice Legacy Fund (ATJLF) para avançar com a justiça reparadora e a cura racial, reforçando o apoio institucional à aplicação da AUTJP a nível continental. (referências: 8)

Tabela Resumo

ÁreaSituação Actual em Angola
Direitos dos cidadãosProtecções constitucionais existentes, mas fraca aplicação; restrições à imprensa e expressão.
Justiça Transicional – RatificaçãoPrimeiro país a ratificar o Protocolo de Malabo.
Histórico nacional de transiçãoDécadas de amnistias e poucos processos judiciais que resultaram em condenações.
Compromisso político e institucionalParticipação activa em fóruns da UA; reafirmação da AUTJP como prioridade.
Apoio técnico internacionalITJA (com EU) e ATJLF oferecem apoio técnico e financeiro para implementação da AUTJP.

Conclusão

Angola tem demonstrado compromisso institucional com os princípios de justiça transicional da União Africana, evidenciado principalmente pela ratificação pioneira do Protocolo de Malabo e pelo envolvimento em fóruns da UA. Contudo, a transformação concreta ainda esbarra em desafios internos: um histórico de amnistias, poucos processos judiciais contundentes e direitos civis parcialmente protegidos, especialmente no campo da liberdade de expressão.

Referências

1)https://en.wikipedia.org/wiki/Human_rights_in_Angola?utm_source=chatgpt.com “Human rights in Angola”

2)https://rpublc.com/june-july-2024-2/angola-pan-african-court-of-justice/?utm_source=chatgpt.com “Angola Wants a Pan-African Court of Justice | The Republic”

3)https://www.hrw.org/news/2024/06/14/angola-becomes-first-country-join-african-criminal-court?utm_source=chatgpt.com “Angola Becomes First Country to Join African Criminal Court | Human Rights Watch”

4)https://transitionaljusticedata.org/en/Africa/Angola.html?utm_source=chatgpt.com “Angola – Transitional Justice Evaluation Tools”

5)https://africanlii.org/akn/aa-au/doc/communique/pscau/2019/899/eng%402019-12-05?utm_source=chatgpt.com “Communique of the 899th meeting of the PSC held at ministerial level, on 5 December 2019, in Luanda, Angola, on the theme: “National Reconciliation, Restoration of Peace, Security and Rebuilding of Cohesion in Africa” – African LII”

6)https://www.africa-press.net/angola/all-news/experts-evaluate-africas-accountability-and-justice-mechanisms?utm_source=chatgpt.com “Experts Evaluate Africa’s Accountability and Justice Mechanisms – Angola”

7)https://www.eeas.europa.eu/delegations/african-union-au/au-and-eu-launch-joint-initiative-foster-implementation-africa%E2%80%99s-continental-transitional-justice_en?utm_source=chatgpt.com “AU and EU Launch Joint Initiative to Foster Implementation of Africa’s Continental Transitional Justice Policy Through ICTJ-Led Consortium | EEAS”

8)https://au.int/pt/node/43921?utm_source=chatgpt.com “The African Union and Africa Transitional Justice Legacy Fund Sign Historic MOU on Reparatory Justice and Racial Healing | African Union”

Medidas implementadas por Angola

1.Criação da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas (CIVICOP)

Em Abril de 2019, o Presidente João Lourenço criou, por decreto presidencial, a interministerial CIVICOP, sob a tutela do Ministério da Justiça e Direitos Humanos (Francisco Queiróz), com o mandato de elaborar um plano de homenagem às vítimas dos conflitos políticos (1975–2002), incluindo, como era de esperar, principal e obrigatoriamente, a tragédia de má memória ocorrida a 27 de Maio de 1977. A missão era “curar as feridas psicológicas” e promover o espírito de fraternidade nacional, no espírito da política de justiça transicional da UA. (referências: 1 e 2)

2. Plano “Abraçar e Perdoar” e pedido público de desculpas

O plano, denominado “Abraçar e Perdoar”, incluía acções simbólicas importantes como:

  • O pedido público de desculpas que foi feito pelo Presidente da República em Maio de 2021, reconhecendo os “excessos” cometidos por parte do Estado (referências: 3, 4 e 5).
  • A CIVICOP orientou a procura, identificação e entrega dos restos mortais de figuras centrais do 27 de Maio (como Nito Alves, Sianouk, Jacob Caetano e Ilídio Ramalhete), que foram sepultados em cerimónia oficial, com honras militares, e entrega de certidões de óbito aos familiares. (referências: 3, 4 e 6)

3. Emissão de certidões de óbito e honras às vítimas

Além do simbolismo do enterro e emissão das certidões, foi entregue a certidão de óbito à filha do nacionalista Saydi Mingas, como parte do plano de revisão da história oficial promovido nesse contexto. (referência: 7)

4. Limitações e críticas

4.1 Falta de transparência e falhas na identificação

Associações representando vítimas – sobreviventes, órfãos e familiares de desaparecidos (“Plataforma 27 de Maio”) –, criticaram duramente o processo, apontando que:

  • Não foram incluídas nas decisões ou ouvidas no processo (referências: 2, 8 e 9).
  • Os testes de DNA realizados não corresponderam às ossadas entregues às famílias, levantando dúvidas sobre a idoneidade dos restos mortais. (referências: 2, 8 e 10)

4.2 Ausência de justiça e compensação

O processo foi largamente simbólico, sem investigação sobre responsabilidades, sem justiça restaurativa e sem responsabilização judicial dos autores dos crimes. As demandas por verdade, responsabilização e reparação efectiva permanecem insatisfeitas. (referências: 5, 8 e 9)

Resumo

Medida ImplementadaDetalhes
Criação da CIVICOP (2019) Comissão interministerial para promover reconciliação e homenagear vítimas dos conflitos políticos.
Plano “Abraçar e Perdoar” Iniciativa simbólica com propósito de reconciliação nacional.
Pedido público de desculpas (2021) O Presidente da República pediu desculpas oficiais pelas execuções sumarias e violências de 1977.
Entrega de restos mortais e certidõesEnterro solene de vítimas centrais e emissão de certidões de óbito.
Emissão de certidão de Saydi MingasCertidão entregue à filha de um dos destacados militantes.
Críticas e falhas percebidasFalta de transparência, falhas de identificação de restos mortais, ausência de responsabilização e de justiça restaurativa.

Conclusão

Angola tomou medidas simbólicas relevantes: o pedido formal de desculpas, construção de um processo de reconciliação, investindo na entrega de certidões e honras às vítimas do 27 de Maio. Entretanto, o processo carece de integridade e efectividade: há denúncias de exclusão das vítimas, falhas nos identificadores genéticos, ausência de responsabilização judicial e de reparação. A ferida permanece aberta e muitas famílias ainda aguardam uma reparação genuína.

Referências

1)https://www.justiceinfo.net/en/43523-angola-the-pandora-box-of-embracing-and-forgiving.html?utm_source=chatgpt.com “Angola: The Pandora Box of “Embracing and Forgiving” – JusticeInfo.net”

2)https://www.rtp.pt/noticias/mundo/angola-feridas-do-27-de-maio-continuam-abertas-e-sobreviventes-exigem-comissao-de-verdade_n1489112?utm_source=chatgpt.com “Angola. Feridas do 27 de Maio continuam abertas e sobreviventes exigem Comissão de Verdade”

3)https://novojornal.co.ao/opiniao/detalhe/reconciliacao-sem-justica-a-civicop-e-o-27-de-maio-em-angola-32188.html?utm_source=chatgpt.com “Reconciliação sem justiça. A CIVICOP e o 27 de Maio em Angola”

4)https://expresso.pt/opiniao/2023-03-24-Reconciliacao-sem-Justica–a-CIVICOP-e-o-27-de-maio-em-Angola-a4e7b134?utm_source=chatgpt.com “Reconciliação sem Justiça: a CIVICOP e o 27 de Maio em Angola – Expresso”

5)https://www.justiceinfo.net/en/78191-public-apologies-in-angola-but-for-whom.html?utm_source=chatgpt.com “Public Apologies in Angola, but for whom? – JusticeInfo.net”

6)https://pt.wikipedia.org/wiki/Jacob_Monstro_Imortal?utm_source=chatgpt.com “Jacob Monstro Imortal”

7)https://en.wikipedia.org/wiki/Sa%C3%ADde_Mingas?utm_source=chatgpt.com “Saydi Mingas”

8)https://www.verangola.net/va/en/052024/Society/40025/Victims-of-May-27th-deny-government-and-say-the-process-was-not-a-%E2%80%9Cpolitical-conflict%E2%80%9D.htm?utm_source=chatgpt.com “Victims of May 27th deny government and say the process was not a “political conflict” – Ver Angola – Daily, the best of Angola”

9)https://www.dn.pt/internacional/processo-de-identificacao-de-vitimas-da-purga-de-1977-mina-reconciliacao-em-angola?utm_source=chatgpt.com “Processo de identificação de vítimas da purga de 1977 mina reconciliação em Angola”

10)https://www.justiceinfo.net/en/115567-mistaken-identities-how-angolas-reconciliation-process-derailed.html?utm_source=chatgpt.com “Reconciliation in Angola: mistaken identities”

Comparação de Angola com outros processos de justiça transicional em África

1. Angola – “27 de Maio” e a CIVICOP

  • Medidas adoptadas: criação da CIVICOP (2019), pedido de desculpas oficial (2021), entrega simbólica de restos mortais, certidões de óbito e homenagem às vítimas.
  • Limitações:
    • Processo restrito ao Estado, sem envolvimento activo das vítimas.
    • Falta de transparência científica nos testes de DNA.
    • Ausência de justiça penal (nenhum responsável julgado).
    • Sem reparação de qualquer ordem às famílias.
    • Forte crítica de movimentos de vítimas de que foi apenas um exercício simbólico e político.

Assim, Angola privilegiou a reconciliação simbólica, mas falhou na verdade e na justiça restaurativa.

Referências:

JusticeInfo(https://www.justiceinfo.net/en/115567-mistaken-identities-how-angolas-reconciliation-process-derailed.html?utm_source=chatgpt.com) Expresso(https://expresso.pt/opiniao/2023-03-24-Reconciliacao-sem-Justica–a-CIVICOP-e-o-27-de-maio-em-Angola-a4e7b134?utm_source=chatgpt.com). 

2. África do Sul – Comissão de Verdade e Reconciliação (1996–2002)

  • Instrumento: a famosa Truth and Reconciliation Commission (TRC), liderada por Desmond Tutu.
  • Medidas adoptadas:
    • Audiências públicas, onde vítimas e perpetradores testemunharam.
    • Possibilidade de amnistia condicionada: apenas para quem confessasse totalmente os crimes.
    • Reconhecimento oficial e memorialização das vítimas.
    • Recomendações para reparações financeiras (embora parcialmente implementadas).
  • Forças:
    • Forte componente de verdade pública (a sociedade ouviu os horrores do apartheid).
    • Envolvimento directo das vítimas.
  • Limitações:
    • Muitas famílias criticam que a justiça penal foi sacrificada (perpetradores confessaram mas não foram julgados).
    • As reparações financeiras ficaram muito aquém do esperado.

A África do Sul priorizou a verdade e a participação pública, criando um legado de reconciliação reconhecido mundialmente, ainda que incompleto.

Referências:

South African History Online(https://www.sahistory.org.za/article/truth-and-reconciliation-commission-trc?utm_source=chatgpt.com). 

3. Ruanda – Pós-genocídio (1994)

  • Instrumentos:
    • Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (TPIR), em Arusha (ONU).
    • Tribunais comunitários Gacaca, para julgar centenas de milhares de casos locais.
  • Medidas adoptadas:
    • Julgamento de líderes responsáveis pelo genocídio (TPIR).
    • Justiça participativa nas aldeias (Gacaca), com confissões, perdão comunitário e punições alternativas.
  • Forças:
    • Combinação entre justiça internacional e comunitária.
    • Milhares de perpetradores responsabilizados.
  • Limitações:
    • Críticas de falta de imparcialidade (os tribunais locais muitas vezes foram usados politicamente).
    • Ausência de espaço para reconhecer os crimes cometidos pela Frente Patriótica Ruandesa (FPR), hoje no poder.

O Ruanda priorizou a justiça penal em massa e a reconciliação comunitária.

Referências:

ICTR/ONU (https://unictr.irmct.org/en/tribunal?utm_source=chatgpt.com).

4. Serra Leoa – Guerra Civil (1991–2002)

  • Instrumentos:
    • Tribunal Especial para a Serra Leoa (parceria ONU-Governo).
    • Comissão de Verdade e Reconciliação (2002).
  • Medidas adoptadas:
    • Julgamento de responsáveis (incluindo Charles Taylor, ex-presidente da Libéria).
    • Relatórios públicos sobre violações de direitos humanos.
  • Forças:
    • Combinação de justiça internacional e nacional.
    • Envolvimento das vítimas nos processos.
  • Limitações:
    • Falta de reparações amplas.
    • Limitações financeiras e institucionais.

A Serra Leoa combinou justiça punitiva e restaurativa, servindo de modelo híbrido.

Referências:

UNICEF / TRC Sierra Leone

(https://www.unicef.org/sierraleone/reports/truth-and-reconciliation-commission-report?utm_source=chatgpt.com). 

Quadro comparativo

PaísModelo principalFoco principalJustiça PenalVerdade PúblicaReparaçõesParticipação das Vítimas
AngolaCIVICOP (2019–)Simbolismo, reconciliaçãoNenhumaParcial, limitadaNão houveMínima (críticas)
África do SulComissão de Verdade (1996–2002) Verdade ereconciliaçãoParcial (amnistia) Ampla, públicaLimitadaForte
RuandaTPIR + Gacaca (1994–2000s)Justiça + comunidadeExtensivaParcialLimitadaForte localmente
Serra LeoaTribunal + Comissão (2002)Justiça híbridaSimSimLimitadaPresente

Conclusão

  • Angola optou por um processo “fortemente simbólico e estatal”, mas falhou em justiça, verdade e reparação.
  • África do Sul priorizou a “verdade e a reconciliação nacional”, mesmo sacrificando a justiça penal.
  • Ruanda apostou na “responsabilização em massa”, mas com falhas de imparcialidade e reparações.
  • Serra Leoa procurou um equilíbrio entre “justiça internacional e local”, ainda que limitado.

Comparativamente, Angola está muito atrás em termos de padrões internacionais de justiça transicional, sobretudo na participação das vítimas e na busca pela verdade integral.

O que Angola pode aprender com outros modelos africanos de justiça transicional

1.Começar pela norma continental: alinhar-se textualmente com a Política da UA

A Política de Justiça Transicional da União Africana (AUTJP) e a sua Roadmap definem um pacote “à la carte”, porém integrado: verdaderesponsabilizaçãoreparações (individuais e colectivas), reformas institucionaismemóriareconciliação e garantias de não repetição. O primeiro passo é “domesticar” (incorporar em leis, regulamentos e planos) esse quadro, com metas e prazos públicos. (referência: 1)

Aplicação a Angola: publicar um Plano Nacional de Justiça Transicional com prazos, orçamento, indicadores e participação da sociedade civil, e não apenas um programa memorial (CIVICOP). (referências: 2 e 3)

2. Verdade pública e participação das vítimas: lição da TRC sul-africana

A Comissão de Verdade e Reconciliação (TRC) da África do Sul fez audiências públicas, deu voz às vítimas e condicionou amnistias à confissão completa. Isso produziu reconhecimento social amplo e um relato autorizado da violência, ainda que a justiça penal tenha sido limitada e as reparações aquém do desejado. (referência: 4)

Aplicação a Angola:

  • Criar uma Comissão de Verdade independente, com poder para convocar, proteger denunciantes, e transmitir audiências (presenciais e online).
  • Amnistias condicionadas (se adoptadas) somente com confissão integral e entrega de informação útil (locais de sepultura, cadeias de comando).
  • Relatório final público com recomendações obrigatórias (ou com mecanismo de cumprir-ou-explicar). (referência: 4).

3. Responsabilização inteligente: combinar “faixas” de justiça (lição do Ruanda e da Serra Leoa)

O Ruanda mostrou que é possível combinar níveis: o TPIR (ONU) para altos líderes e as jurisdições Gacaca para a base, responsabilizando muita gente e ao mesmo tempo promovendo a reconciliação local (com todas as controvérsias e limites). A Serra Leoa usou um modelo híbrido (Tribunal Especial ONU-Serra Leoa) + uma comissão de verdade. (referências: 5, 6 e 7)

Aplicação a Angola:

  • Criar câmaras especializadas para altos responsáveis (critério “quem tem maior responsabilidade”) e mecanismos restaurativos para autores de menor hierarquia (comunitários, confissão, pedidos de perdão, serviços à comunidade).
  • Aproveitar a ratificação do Protocolo de Malabo (feito por Angola) como âncora de compromisso com responsabilização por crimes graves e cooperação judiciária regional. (referência: 8).

4. Reparações: do simbólico ao material, com desenho misto (TRC e AUTJP)

A TRC recomendou reparações financeiras e medidas colectivas (educação, saúde, bolsas); a execução, contudo, foi parcial, lição clara de que reparações sem orçamento e gestão dedicadas resvalam. A AUTJP detalha tipos e princípios de reparação. (referências: 1 e 4)

Aplicação a Angola:

  • Instituir um Fundo Nacional de Reparações com lei própria, gestão multissectorial e linha orçamental.
  • Pacote misto: (i) individuais (indemnizações, pensões, reabilitação médica/psicossocial) e (ii) colectivas (memoriais, bolsas de estudo, clínicas, reabilitação de casas atingidas).
  • Priorizar órfãos, viúvas e sobreviventes com incapacidades, com critérios públicos. (referência: 1).

5. Verdade forense e cadeia de custódia: corrigir o ponto fraco angolano

O processo de reconciliação em Angola foi abalado por erros de identificação de restos mortais e contestação de exames de DNA. A credibilidade depende de equipa forense independente, protocolos de cadeia de custódia, contra-perícias e acesso das famílias. (referência: 9)

Aplicação a Angola:

Criar uma Unidade Forense Independente (com peritos internacionais e nacionais), publicar protocolos, habilitar laboratórios acreditados e garantir às famílias o direito à segunda análise. (referência: 9).

6. Reformas institucionais e garantias de não repetição

A AUTJP liga justiça transicional a reformas: arquivos abertos, vetos a nomeações de perpetradores (“vetting”), reforma dos serviços de segurança, educação em direitos dos cidadãos, e memória oficial. Sem reformas, o ciclo repete-se. (referência: 1)

Aplicação a Angola:

  • Abrir os arquivos (com cópias) sobre a tragédia de Maio de 1977;
  • Vetting em promoções sensíveis (defesa, segurança, justiça);
  • Currículos escolares que incluam o 27 de Maio de 1977, com materiais validados por uma comissão plural. (referência: 1).

7. Gestão do processo: independência, transparência e métricas

Os casos robustos na região têm mandatos claros, independência funcional e prestação de contas pública (relatórios trimestrais, metas e execução orçamental). Onde isto faltou, houve erosão de confiança (como se viu no caso angolano). (referências: 4 e 9)

Aplicação a Angola:

Transformar a CIVICOP (ou a sua sucessora) em entidade independente por lei, com mandato temporal, poder de investigação, sistema de indicadores e controlo externo (parlamento, auditoria, observadores internacionais). (referência: 2).

8. Cooperação e pressão positiva: usar o momento Malabo

A ratificação angolana do Protocolo de Malabo dá legitimidade para exigir (e aceitar) cooperação técnica da UA, ICTJ, UA-UE (iniciativa ITJA) e outros: em formação de quadros, desenho de reparações, memória e perícia forense. (referência: 8)

Roteiro prático para 12 meses (síntese)

  1. Lei de Justiça Transicional (AUTJP doméstica; criar o fundo e a comissão de verdade). (referência: 1)
  2. Comissão de Verdade independente com audiências públicas e amnistia condicionada à confissão integral. (referência: 4)
  3. Unidade Forense independente; reexame dos casos contestados; protocolo de cadeia de defesa. (referência: 9)
  4. Fundo de Reparações com pacote misto (indemnizações + medidas colectivas). (referência: 1)
  5. Aposentos especializados para altos responsáveis; mecanismos restaurativos comunitários para casos de menor hierarquia (modelo híbrido). (referências: 5 e 7)
  6. Abertura de arquivos, vetting, educação para a memória e direitos dos cidadãos. (referência: 1)
  7. Transparência: metas trimestrais, relatórios públicos, auditoria independente e participação das vítimas. (referências: 4 e 9)
  8. Cooperação com UA/UE/ICTJ para assistência técnica continuada. (referências: 10)

Referências

  • Política de Justiça Transicional da UA (AUTJP) e Roadmap. (referência: 1)
  • TRC da África do Sul – relatório e sumário oficiais. (referência: 11)
  • Ruanda – Gacaca (análise ASIL) e síntese doutrinária (Oxford). (referências: 5 e 6)
  • Serra Leoa – Tribunal Especial (ONU/Estado). (referência: 7)
  • Angola – CIVICOP e críticas; problemas forenses; artigo académico recente. (referências: 2 e 9)
  • Malabo Protocol / Angola – nota HRW e página de país. (referência: 8)

1)https://au.int/sites/default/files/documents/36541-doc-au_tj_policy_eng_web.pdf?utm_source=chatgpt.com“AU Transitional Justice Policy (2019) – African Union”

2)https://academic.oup.com/ijtj/advance-article/doi/10.1093/ijtj/ijaf007/8045362?utm_source=chatgpt.com“Angola’s Reconciliation Commission CIVICOP: Delayed Transitional …”

3)https://www.justiceinfo.net/en/122895-polarized-reconciliation-angola.html?utm_source=chatgpt.com“Polarized reconciliation in Angola – Justice Info”

4)https://www.justice.gov.za/trc/report/execsum.htm?utm_source=chatgpt.com “TRC FINAL REPORT Summary and Guide to Contents”

5)https://www.asil.org/insights/volume/15/issue/17/rwanda%E2%80%99s-gacaca-courts-implications-international-criminal-law-and?utm_source=chatgpt.com “Rwanda’s Gacaca Courts: Implications for International Criminal …”

6)https://opil.ouplaw.com/display/10.1093/law%3Aepil/9780199231690/law-9780199231690-e1667?utm_source=chatgpt.com “Gacaca Courts – Oxford Public International Law”

7)https://2001-2009.state.gov/s/wci/sierraleone/index.htm?utm_source=chatgpt.com “Special Court for Sierra Leone – state.gov”

8)https://www.hrw.org/news/2024/06/14/angola-becomes-first-country-join-african-criminal-court?utm_source=chatgpt.com “Angola Becomes First Country to Join African Criminal Court”

9)https://www.justiceinfo.net/en/115567-mistaken-identities-how-angolas-reconciliation-process-derailed.html?utm_source=chatgpt.com “Mistaken identities: how Angola’s reconciliation process derailed”

10)https://au.int/sites/default/files/documents/41242-doc Roadmap_for_the_Implementation_of_AU_ENGLISH Sep_091.pdf?utm_source=chatgpt.com “[PDF] Roadmap for the Implementation of the African Union Transitional …”

11)https://www.justice.gov.za/trc/report/?utm_source=chatgpt.com “TRC/Report”

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